Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014

.Hoje

Hoje, numa das mamadas da noite, adormeceste na nossa cama. Deixei passar aquele bocadinho de sono leve, em que acordas assustada algumas vezes e nos procuras com a cabecita sempre às voltas, e peguei-te ao colo com cuidado para te deitar na tua alcofa. Arranjei-te, tapei-te, e no fim tive o cuidado de te deixar as mãos em cima da manta, como tu gostas. Nesse instante, abriste muito os olhos, sorriste para mim e voltaste a dormir. E eu, que sei que ainda não falamos a mesma língua, voltei também a dormir feliz porque pensei que, em gestos, me tinhas dito: "olha, a minha mãe já sabe como eu gosto de dormir". Todos os dias dou um significado novo ao teu sorriso. O mais provável é que sejam só coisas da minha cabeça - não faz mal, o teu sorriso, por si só, vale tudo.

Parece que isto virou um baby blog...
Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014

.Coisas que aprendi, que conheço, que sei, que passei a saber, que ainda não sei, ..., nestes 3 meses + 37 semanas

Há 3 meses, conheci a minha filha. Desde aí, tantas coisas mudaram. A começar pelo meu amor por ela.

Primeira coisa que aprendi ao ser mãe: o amor pode sempre aumentar. Quando achamos que já chegámos ao nosso limite, basta vir um novo dia e percebemos que não - amo-a sempre um bocadinho mais.

Segunda coisa: o tempo passa mesmo depressa de mais. 3 meses? Mas como é que passaram 3 meses? Já tens quase o dobro do peso, aumentaste 8 cm, já tenho caixas com roupas que não te servem, e outras nem chegaste a vestir! Tantas coisas lindas que nem saíram do armário porque, em casa, andar de babygrow é que é bom. E o tempo passa a correr.

Terceira coisa: sei muito pouco sobre ti. Há dias em que penso que te conheço muito bem. Que sei como vais acordar, mamar, adormecer. Como te vais portar a mudar a fralda ou no banho. Como te arrancar um sorriso ou fazer parar as lágrimas. Mas, depois, vem um novo dia e tudo muda. E eu adapto-me a ti, todos os dias.
Desde que nasceste que adoras o banho. Assim que começas a ficar sem roupa, notamos logo a tua alegria. Quando entras na água, a festa continua. E era sempre assim, até ao fim. Agora, sempre que te tiramos para a toalha e começamos a sessão de cremes e roupas, começas num choro sem fim, com lágrimas e tudo. E nós aceleramos o processo, mas sem qualquer resultado - queres leitinho. E não adianta dar-te antes, porque a água abre-te sempre o apetite. Não faz mal, eu estou cá para isso. A minha licença é para estar contigo e nada mais. Por enquanto, há uma coisa em que ainda não mudaste: adoras mudar a fralda. Podes estar com a maior birra do mundo, podes estar doentita ou com fome, que mudar a fralda é sempre sinónimo de sorrisos, gargalhadas e conversas.

Quarta coisa: as meninas são sempre filhinhas dos papás. Passo um dia contigo em casa, dou-te mama quando pedes, mudo os maiores cocós do mundo, contra todos os conselhos passo o dia contigo ao colo porque choras na espreguiçadeira e não consegues dormir ali de dia por muito tempo (mas de noite dormes bem na tua alcofa). Tenho o braço esquerdo super musculado porque já consigo varrer, lavar o chão, estender roupa, cozinhar, comer contigo ao colo. E, com tudo isto, ganho apenas uns sorrisos na muda da fralda. O pai precisa apenas de telefonar ou de chegar a casa para ganhar os maiores sorrisos, as maiores gargalhadas, as maiores conversas. Menina do papá.

Quinta coisa: adoro amamentar. Antes mesmo de nasceres, eu já sabia que queria muito fazê-lo. E sou tão feliz quando o faço! É um momento só nosso, em que te posso dar aquilo que mais ninguém pode. E fazes uns barulhinhos deliciosos enquanto mamas! E dás ou entrelaças as mãos de forma tão mimosa. Tenho a sorte de poder fazê-lo contigo a olhar-me olhos nos olhos. E não me importo quando estes momentos acontecem a meio da noite, nem quando acontecem várias vezes a meio da noite. Vou ter saudades disto, tantas.

Sexta coisa: mãe sofre muito. O tempo todo. Porque às vezes não queres comer, não queres dormir, o meu colo não te sossega, e eu não sei o que se passa. Porque às vezes tens fungos no rabo, tens uma hérnia umbilical e nasceste com um hemangioma. Porque é aflitivo ver-te de nariz tapado, a tossir, a espirrar, com ranhocas, a vomitar, com febre, a levar vacinas, ... . Porque não consigo pôr-te a água do mar ou o soro no nariz sem te fazer chorar. Porque não conhecemos aqui ninguém e quando fizeres 7 meses vais para um colégio, onde também não conhecemos ninguém, com uma mensalidade maior que a prestação da nossa casa. Porque às vezes não sei se serei a boa mãe que mereces e se te conseguirei proteger de tudo.

Sétima coisa: os filhos não prendem ninguém nem unem um casal, pelo menos nesta fase. Com tanto cansaço acumulado e falta de tempo, há sempre alguém mais negligenciado, e esse alguém é o pai. Quando estamos os dois em casa, aproveito para fazer aquilo que não consigo quando estamos sozinhas. E, quando adormeces, só quero adormecer também. Se não existir amor antes, se a relação não for forte, um bebé só piora as coisas. É muito fácil desistir e escolher o lado óbvio. Mas, quando existe amor, não há escolha possível porque tudo junto faz muito mais sentido. Olho para a Aurora como a melhor coisa que fizemos, e que só podia ter nascido de um amor assim.

Sétima coisa: um pai faz muita falta. Pelo menos um como o da Aurora. Eu reclamo, pois sim. Mas, desde o momento em que ela nasceu, que vejo todos os dias que ele é um pai espectacular. E ela também, tamanha é a felicidade da rapariga quando o vê. Não sei o que é dar um banho sem ele, por exemplo. No outro dia alguém me falava de um casal em que a mãe não deixa o pai fazer quase nada, porque ela é que sabe. Nós também entramos em conflito, porque às vezes um acha que sabe fazer melhor do que o outro, mas, sempre que ele está em casa, faço questão que ele a ponha a arrotar, que lhe mude a fralda, que lhe dê colo. Eu serei sempre a mãe dela, e tratarei sempre dela da melhor maneira que sei - mas deixa-me feliz saber que há mais alguém a tratá-la tão bem e a amá-la tanto quanto eu.

Oitava coisa: coisas várias. Sei que o único creme que não te deixa o rabinho assado é o Mitosyl. Mas que quando fica o que te salva é o Nutraisdin. Que as melhores fraldas são as da Chicco, mas usamos Dodot, que também são muito boas. Que não gostas de ter a fralda suja. Que se queremos que faças cocó basta tirar-te a fralda e deixar-te uns minutos assim no fraldário - somos contemplados com quatro ou cinco de esguicho. Que os teus xixis de muda da fralda saem em todas as direcções. Que quando apagamos a luz do candeeiro do fraldário antes muito os olhos, de susto e curiosidade. Que és pouco paciente, quando queres uma coisa é para ontem e não páras de chorar até a conseguires. Que gostas de andar a passear pela casa ao nosso colo. Que não gostas de te vestir. Que adoras estar sem roupa. Que veneras luzes - basta levar-te para perto de uma para sossegares, e, se estiverem apagadas, vais alternando o olhar entre elas e nós até que um de nós as acenda. Que iluminas a vida dos avós e dos bisavós de uma maneira que nunca imaginei sequer. Que cresces depressa de mais. Que adoras dormir no colo, de pé, bem encostadinha a nós. E que, nessas alturas, cruzas os braços sobre o nosso peito e deitas a tua cabecita neles. Que quando começas num choro sem fim só sossegas com colinho, de alguém que ande a passear contigo, a dar-te umas palmadinhas no rabo, de preferência perto de uma luz acesa. Também resulta encostar a cara à tua, cantar-te ao ouvido enquanto andamos ou dar saltos gigantes na bola de Pilates. Que tens um sensor que te faz chorar quando a pessoa que te tem ao colo se senta. Que gostas de ser abanada de cima para baixo e não para os lados. Que depois de adormeceres no nosso colo vais abrindo um olhinho às vezes - se nos vês, voltas a dormir, se te enganámos e percebes que já não estás nos nossos braços, começas a chorar. Que quando te espreguiças esticas muito o pescoço e me fazes lembrar o E.T.. Que tens as melhores bochechas do mundo para dar beijinhos. Que as tuas coxas são iguais às do teu pai. Que quando queres sair da espreguiçadeira te ris muito para nós e depois, quando percebes que isso não funciona, começas a chorar. Que gostas de pessoas e conversas, não gostas de silêncio, nem de bonecos (por enquanto, espero). Que já agarras na boneca Aurora enquanto mudas a fralda. Que não aguentas mais de 10 minutos no parque ou na espreguiçadeira - a não ser que seja na cozinha, com o exaustor ligado, ou enquanto tomo banho, com o termo-ventilador ligado. Que te ris mais para os homens do que para as mulheres. Que adormeces automaticamente no carro. Que tens o melhor cheiro do mundo, mesmo sem cremes (mas que gosto muito da loção da Isdin). Que tenho tanto orgulho em passear-te agora como quando passeava a minha barriga. Que as ruas não estão feitas para carrinhos de bebé - os carros estacionam nos passeios, as passadeiras não têm uma pequena rampa que ligue a estrada ao passeio. Que não gostas de levar fralda no ovo, preferes a capa transparente da chuva para poderes ver tudo. Que és muito observadora - enquanto andamos de um lado para o outro, ou quando paramos em qualquer sítio, a tua cabecita e os teus olhos não páram. Que não gostas de chupeta - já tentámos naqueles dias em que estás mesmo impaciente, mas chegas ao ponto de te engasgares. Que não dormes se tiveres as mãos tapadas. E que dormes com elas no ar. Que choras a vestir casacos e a entrar no ovo, mas que te calas assim que o levantamos do chão. Que gostas de adormecer encostada à minha maminha depois de mamares. Que um filho é um investimento a fundo perdido só compensado pelo amor que se recebe em troca - todos os dias faltam compressas, cremes, roupas, consultas, vacinas, cadeiras, ... . Vai correr tudo bem.

Nona coisa: eu nunca mais vou ser a mesma pessoa, de maneira nenhuma. E podemos começar pelo óbvio, a parte física. Vejo tanta gente elegante que me diz estar assim por causa da amamentação, e eu não estou porquê? Para já, ainda não estou muito chateada com este pneu que ganhei, e com coisas várias que ficaram moles de mais, mas quando chegar o Verão acho que vou estar. Nunca consegui fazer dieta na vida, e nunca poderia fazer agora, mas a verdade é que parece que continuo grávida ou pior, porque o apetite ainda é maior, principalmente por coisas doces. Mas depois olho para ti, tão perfeita, e quero lá saber destes 2kg a mais que ainda andam aqui. E estar grávida foi tão, mas tão bom. Senti-me tão segura, tão forte, tão poderosa - talvez seja também porque nos deixam passar à frente em todo o lado (dica de ex-grávida: o melhor sítio para fazer compras é o Continente, tem caixas exclusivas e não prioritárias). Com tudo o que ganhei, não me posso queixar das formas que perdi. Perdi também muitas das roupas que tinha - porque não servem, porque deixei de gostar, sei lá. Toda a vida usei calças à boca de sino, mas não encontrei coisas dessas para grávidas. Fui obrigada a usar calças justas e por dentro das botas, coisa nunca antes vista em mim. O pior é que me habituei, agora há um guarda roupa pré-gravidez, que já mandei para o Alentejo, e um pós-parto. E eu, que toda a vida me queixei de ter pouco peito, olho agora com saudade para os vestidos que já não me servem nessa zona - a gravidez é mesmo o silicone dos pobres! E o cabelo? Entre os que caem e os que me arrancas, não sei se chego a 2015 com algum!
Depois há a parte psicológica, que não é de todo fácil de explicar. É um amor inexplicável, uma preocupação constante, uma vida que depende por completo de nós, uma entrega total. Percebo que existam tantas mães com depressões pós-parto. É o melhor do mundo, mas não é sempre fácil. E os pais vão trabalhar cedo, e nós ficamos em casa um dia inteiro sozinhas, a ser felizes mas a pensar em disparates também. Digo muitas vezes ao Z. que não sei como conseguimos fazer uma coisa assim tão perfeita (e ele responde sempre: "queres que te lembre?"). Para mim ela é isso mesmo, a perfeição. E carreguei-a dentro de mim 37 semanas, e fui eu que a trouxe ao mundo, e está nas minhas mãos fazer dela uma pessoa boa e feliz. Como é que isso pode não mudar uma pessoa?
Deixei de me preocupar tanto com pó limpo, casa arrumada, roupa passada - logo se faz. Eu, que tinha poucos medos, passei a ter de sobra. Tenho medo de conduzir quando te levo, ao meu maior tesouro, no carro. Temo os acidentes, os outros, os furos, tantas coisas. Preocupava-me só com a morte dos que amo, agora preocupo-me com a minha também - quero tanto ver-te crescer e estar aqui para ti! Mas passei, quase por completo, para segundo plano, de livre vontade. E sei que também tenho de pensar em mim, mas pareço-me tão insignificante perto de ti. Fico angustiada só de pensar no regresso ao trabalho! Devia ter tirado a licença de um ano. Toda a gente me diz que me vai saber bem regressar, e sei que devo agradecer por ter trabalho, mas agora ainda me custa muito pensar nisso.
Mas ainda tenho de mudar algumas coisas - tenho de arranjar coragem e força para responder quando põem em causa a forma como tratamos de ti, e para dizer que não concordo quando te fazem alguma coisa que eu não gosto ou não acho correcta. Por ti, hei-de conseguir.

Décima coisa: sou mãe, e posso não ser a melhor do mundo, mas tento sê-lo todos os dias. Há tantas coisas que não sabia e continuo sem saber. O peito não é transparente, como sei se ficas bem? Se digo que às vezes pedes mama de hora a hora, dizem-me que é porque passas fome. No centro de saúde não acreditavam que estavas só a mama porque aumentaste muito de peso e concluíram que o meu leite tem feijoada. E eu vou tentando adaptar-me a ti, enquanto oiço estas coisas diferentes de todos os lados. Não sei se já podes sair mais de casa sem apanhares mil e uma doenças, se podes olhar para a televisão sem te tornares numa viciada que não sabe brincar na rua, se vais preferir um tablet a um caderno para fazer desenhos. Não sei ainda tantas coisas. Mas também sou mãe só há três meses. E tu mudas todos os dias, e eu mudo contigo. Mas uma coisa te garanto: nunca fui tão feliz como sou agora contigo na minha vida. Ver-te adormecer no meu colo, abrires os olhos e sorrires só porque me vês e sentes agarrada a ti, é a sensação mais bonita que eu já conheci. Acho que posso resumir tudo assim: de tudo o que sei e não sei, tenho uma grande certeza, sei que te amo mais do que tudo. E isso há-de servir para chegarmos juntas a qualquer lado (com o pai e todos os que te amam também, que são tantos!). Que seja um lado feliz.
Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2014

.Noites de mãe

Eram 03:59 quando a ouvi. Não chorava, mas fazia aquele barulhinho que conheço já tão bem de quando anda à procura da mama. Suspira e anda de boca aberta, a apanhar tudo o que está à volta. Desta vez tentava tirar leite da mantinha. Depois percebe que não sai nada dali e, aí sim, começa a chorar. Hoje não foi preciso. Acendi a luz, fiquei uns instantes a observar o meu raio de luz, que me deixa sempre o coração apertado, e meti-a na nossa cama para a refeição da noite. Mamou, adormeceu, despertou, voltou a mamar, a adormecer e a despertar. Aproveitei para lhe trocar a fralda, que é sempre uma aventura. Já sabemos que basta começar o processo para a rapariga se inspirar - chegamos a gastar 4 fraldas na mesma muda. Hoje não foram precisas tantas, mas limpei-a quatro vezes, meti creme quatro vezes, e sempre que ia trocar a fralda lá vinha mais qualquer coisa. Saldo: terminei com cocó na cara, nas mãos, nos braços, no meu pijama, no fraldário, no resguardo, por baixo do colchão da troca. Ela safou-se, desta vez, porque ontem tive de lhe trocar a roupa umas quatro ou cinco vezes à conta de xixis e cocós. Sempre ouvi a expressão "até ao pescoço", mas ela, apesar de também já nos ter presenteado com uns desses, é sempre mais "até aos pés", quando está vestida (não percebo como é que aquilo sai da fralda e encontra caminho pelas calcinhas/collants abaixo!), ou "de esguicho e para todo o lado", em todas as mudas de fralda. Estar perto dela sem fralda é um perigo! No outro dia, só para que a pesassem no centro de saúde, fez um xixi na bancada onde a despimos e outro na balança - deviam meter papel absorvente naquilo e não vegetal, que a moça ficou com urina da cabeça aos pés. Fralda mudada, é hora de adormecer no colo da mamã, antes de passar para a alcofa. Não há música, bonecos, silêncio ou escuro que me valham, ela gosta mesmo é de gente, de ouvir conversas, de calor humano, de olhar para as luzes (é mesmo minha filha, diz a minha mãe) e se puder adormecer com a cara encostada à maminha, melhor ainda. Dizem os entendidos que, se o bebé dorme, a mãe dorme também, vamos lá a isso (e quem é que faz as coisas? E ela deixar? Durante o dia a alcofa e a espreguiçadeira têm picos, o colo da mãe é que tem mel e manda embora as coisas más! A árvore de natal ainda está feita!). Ah, não, espera, tenho de aproveitar que ela faz menos uma refeição de noite e ir buscar a bomba para tirar leite. Vida de vaquinha leiteira - a qualidade que a minha filha mais gosta em mim (por enquanto, espero!). Ser mãe é mesmo o melhor do mundo - à noite também. Até nas noites em que nos encontramos de hora a hora.

Actualização:
Consegui tirar 150ml, enquanto alternava o olhar entre a minha filha (diz que ajuda) e o facebook para passar o tempo. Mais um saquinho no congelador, na preparação para o regresso ao trabalho. Go, go vaquinha leiteira! Agora sim, vamos lá dormir, que às 7 a rapariga deve querer o pequeno-almoço. Às vezes sinto que passo os dias com o peito de fora, que não faço mais nada para além de dar mama e guardar leite. E perdi a vergonha, já saco da mama em qualquer lado. No outro dia, em pleno centro de saúde, tinha 5 senhoras à minha volta a ver, "não se importa, é a coisa mais bonita do mundo! E já viu que os homens não olham? Se entrasse aqui uma mulher com um decote grande, babavam-se todos, assim, respeitam". Já disse hoje que isto é o melhor do mundo? É mesmo!

Actualização 2:
Eram 06:59 quando a ouvi. A minha filha tem um relógio suíço na barriga, de três em três horas o 'despertador' dela toca. Desta vez choramingou um bocadinho, percebeu logo à primeira que a manta não dá leite. Vamos lá repetir o processo todo outra vez. Não cansa. Desta vez chateia-se com a mama e 'discute' com ela, enquanto anda ali a tentar apanhá-la e a fazer barulhinhos engraçados, ao despique com o ressonar do pai. Como é bom senti-la assim, encaixadinha em mim, de olho aberto na direcção dos meus. Mas daqui a pouco podes fechá-los, sim, pequenita? Só um bocadinho! A mãe agradece. Encontramo-nos às 10:00!

Actualização 3:
Ouvi-a resmungar, olhei para o telemóvel, eram 09:00. Não me pareceu que fosse fome, era mais uma conversa. Acho sempre que não assistir a estes momentos da minha filha é um desperdício, o verdadeiro, de tempo, de amor, mas estava tão cansada que voltei a adormecer. Acordei com o barulhinho da fome e pensei que era cedo, só tinham passado 5 minutos desde que tinha fechado os olhos, ou não? Eram 10:00, relógio suíço. Esta foi uma noite boa. Quando nos entendemos, quando até conseguimos dormir e sonhar, tudo está bem. Depois há as outras, como a que tivemos na 6ª, em que a rapariga acorda a todas as horas, quer mama a todas as horas, chora a todas as horas, e nós sem percebermos o que se passa, sem descanso, sem chão, porque ver um filho a chorar sem sabermos o motivo tira-nos tudo. Às vezes é uma dor de barriga, ou uma cólica, ou precisa só do aconchego da maminha por uns breves segundos para atirar a 'guerreira' ao tapete ou é uma luta contra o sono - quem se lembrou de inventar que a noite serve para dormir? Ela não percebe! Tão bom, ter ali a mãe e o pai, e tem de dormir? Que tontos. Essas não deixam de ser noites felizes, que o meu pequeno raio de sol é sinónimo disso mesmo, mas são as noites más. Noites? São noites? Juro que, nessas alturas, nem dou por elas passarem.

Actualização 4:
13:00, hora da mama outra vez. Dez minutos na mama direita, adormece. Mudar a fralda. Aqueço a água para molhar as compressas com que a limpo, ligo o aquecedor, tiro-lhe a roupa, abro a fralda suja e limpo-a para que possa ficar assim um bocadinho, também para ajudar a matar os fungos que por ali apareceram. Fica a conversar e a rir para a boneca que lhe ofereceram para a porta e que eu colei no roupeiro ao lado do fraldário - por enquanto, de vontade, só ri para esta boneca e quando vê a mama. Passados 5 minutos, está na hora de meter a nova. Depois de meter o creme, mesmo no instante em que me preparava para fechá-la, novo presente. Já estou sempre à espera, mas ainda me consegue surpreender e fazer rir. Nova limpeza, novo creme, nova fralda, novo presente de esguicho. Uma só muda, três fraldas. Pequenita, assim estragas as contas ao teu pai! Pela média dele, na folha excel, já tinha fraldas até Agosto, mas parece que lhe vais estragar os planos! Não faz mal, acho que ele gosta tanto de encontrar boas promoções quanto de nós. Brincadeira... Mas não devo andar muito longe da verdade. ;)
Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

.2014

Vi no outro dia uma entrevista em que o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho dizia que todas as relações, todo o amor, têm de ser trabalhados – o simples facto de alguém ser da nossa família não nos obriga a gostar dessa pessoa, ninguém vem com um salvo-conduto para o amor. E eu percebi, uma vez mais, como sou sortuda. Sim, todos nos esforçamos, sem esforço, para sermos o melhor possível uns com os outros – vejo isso, por exemplo, nas ervilhas com ovos que a mãe acabou de deixar na minha bancada, ou na viagem que os pais acabaram de fazer só para trazer uma coisa à Aurora. Sim, esforçamo-nos sem que nos custe, porque gostamos, e essas acções fazem-nos gostar mais uns dos outros, mas já eram, antes dessas acções, pessoas facilmente ‘gostáveis’, aquelas a quem chamo família. Depois chegou a minha vez de construir a minha família, e de um amor que era já maior do que aqueles que conhecia, conseguimos fazer nascer um ainda maior, e engrandecer o nosso. A pessoa que escolhi, ou que me escolheu, para partilhar os dias tornou-se ainda mais gostável – para além de ser a minha pessoa preferida, é agora também o melhor pai do mundo (ao nível do meu), presente em tudo, disposto a partilhar tudo, mesmo uma fralda com cocó às 04:00. A razão de tudo isto, da nossa felicidade, tem agora uns 50 cm e talvez uns 4kg. Para mim, é a bebé mais bonita, mais perfeita do mundo. Já a amava antes de a conhecer, mas há pouco mais de um mês, quando saltou de dentro da minha barriga para cima dela e cruzámos o olhar pela primeira vez, conseguiu não só ocupar todo e qualquer espaço livre que havia no meu coração, como construir mais mas quantas divisões para se alojar lá também. Pequena Aurora veio com salvo-conduto para o meu amor, para o meu coração, para a minha vida. Usei uma passa para este desejo há um ano atrás, sem fazer a menor ideia do que tudo isto significava afinal. Do quão especial, grande, pleno é. Não sei o que 2014 ou o futuro nos reserva. Sei que 2013 me mostrou, sem o esperar, um amor maior do que tudo, que hoje é sempre maior do que era ontem, e que essa é a maior motivação para desejar sempre um amanhã. Um amanhã com todas estas pessoas da minha vida – tenho a sorte de lhes poder chamar família. Feliz 2014. Que seja cheio de amor.   

L. às 18:05
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Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2013

.(má) Mãe (II)*

 

Na próxima semana o meu pequeno raio de sol já faz um mês. E eu descubro todos os dias, desde que ela nasceu, que sou uma má mãe, que não estou preparada para isto ou que não faço as coisas bem. Na maior parte das vezes não sou eu que chego a esta conclusão, fazem questão de mo dizer. Sempre me disseram, logo na gravidez, que toda a gente vai ter alguma coisa para nos dizer em relação à nossa criança. E eu tive esperança que fossem coisas boas, conselhos bons ou que me permitissem decidir se seriam ou não bons, mas não, chegam como verdades inquestionáveis sem qualquer hipótese de escolha para mim. Ainda não tinha passado uma semana quando comecei a descobrir tudo isto. Uma só visita fez-me ver que eu deitava a minha filha mal (isso não é assim, é de lado!), que amamentava mal (deitada? Isso não é assim!), que os soluços não eram afinal uma coisa normal (começou a gritar à rapariga para que passassem), que tirá-la do quarto só com mantinhas porque afinal ainda tinha só 5 dias e a diferença de temperatura era muita era um disparate (dá cá a rapariga! – e levou-a para a divisão mais gelada da casa sem qualquer protecção) e que afinal não se dá de mamar a um recém-nascido quando ele pede (mas já vais dar mama outra vez? Não pode ser sempre que ela quer). Que toda a equipa do hospital, pediatra e enfermeira de família mandem deitar de barriga para cima com inclinação, que os pontos me doessem ao ponto de não me conseguir sentar, que todos os que a acompanham digam que os soluços são bom sinal e que devemos prevenir todas as constipações agora que é tão pequenina, que nos mandem alimentar a criança sempre que ela pede, isso não conta para nada. Sou má mãe. Até eu, que nem sequer me tinha preocupado com a balança ou em olhar-me com mais detalhe ao espelho, estava, afinal, muito mal. “Ficaste muito gorda, olha para essa barriga”, disse-me ainda. Sem se preocupar com as hormonas, com os blues, com a educação e sei lá mais o quê. Olhei para baixo, pois, talvez ainda conseguisse passar à frente no supermercado. Fiz um sorriso amarelo, e expliquei que só tinham passado 5 dias. Saí do quarto e fui direitinha à balança – tinha mais 2,600kg do que quando tinha engravidado. Parece que isto era, afinal, uma coisa má. Depois vieram as cólicas. E a culpa também é minha. Porque como coisas que fazem mal. De cada vez que falo com alguém sobre o tema, ou que vem alguém cá a casa, mandam-me retirar um alimento da minha ‘dieta’. Não comas cebola, nem couves, nem brócolos, nem laranjas, nem limões, nem bebidas com gás, nem feijão, nem grão, nem chocolate, nem sei lá mais o quê. Antes de sair do hospital foi a única coisa que me lembrei de perguntar à equipa de lá – o que devia comer ou não nesta fase da amamentação. Que comesse de tudo, responderam-me, evitando apenas o café e os chás preto e verde, por causa da cafeína, que os deixa agitados. Voltei a perguntar às duas pediatras onde já fomos e no centro de saúde. Que não existem provas cientificas de que este ou aquele alimento provoquem cólicas, simplesmente o estômago deles ainda é muito imaturo. E só se eu reparar que alguma coisa me faz mal a mim é que devo evitá-la, porque também lhe vai fazer mal a ela. Mas eu sou má – como verdes e coisas que só lhe fazem mal. Má mãe. E as covinhas do pescoço? Caramba! Sempre com coisinhas brancas. Mas eu não limpo aquilo? Não lhe dou banho? A rapariga mexer-se, e estar embrulhada em mantas, e a vida, sei lá, não contam. Sou má mãe, não trato da higiene da minha filha. E depois voltam os soluços. Pés frios, dizem-me. E eu olho para ela – temos o aquecedor sempre ligado (às vezes mudamo-la de divisão e abrimos as janelas para o ar circular, calma!), tem um baby-grow, um body, umas calcinhas, umas meias polares, dorme embrulhada numa manta, dentro de um saquinho cama, com mais uma manta por cima e a cobertura da alcofa, e o pai ainda fez questão de comprar um mini saquinho de água quente que mete lá dentro quando ela mama ou muda a fralda. Pés frios? Mas os soluços não são uma coisa normal? Ainda que as teorias tanto digam que pode ser do processo de desenvolvimento ou do estômago que, quando está cheio, dilata e toca no diafragma provocando os ditos. É uma coisa normal, voltou a dizer-nos aquela gente toda que tirou cursos de saúde mas não percebe nada do assunto, que afligem mais os pais das crianças do que os pequenos. Pois, sou má mãe, não aqueço a minha filha. É então que lhe metem um bocadinho de lã com saliva na testa para eles passarem. Eu estremeço – os soluços não lhe fazem mal, já aquela saliva não sei! E ela não está muito amarela? Sim, um bocadinho, a famosa icterícia. Mas só na cara. Aquecemos o quarto, tiramos-lhe a roupa, deixamo-la apenas de fralda e gorro, e faz uma espécie de solário caseiro. Explicaram os médicos que devemos fazer assim e que é perfeitamente normal numa criança apenas de peito. Não, não é assim. Maus pais. Soro fisiológico pelo nariz em esguicho para desentupir? Não se vê que estamos a fazer mal à criança? Somos tontos? Mas foi assim que a pediatra mandou fazer. Ando eu a gastar dinheiro com uma pessoa que, afinal, não sabe nada! Dou banho antes ou depois dela comer? Mudo a fralda antes ou depois dela comer? Qualquer que fosse a minha resposta, tenho a certeza que eu não ia acertar. Umas vezes dou antes outras depois – depende. Mas não se preocupem, se for depois, esperamos que passe uma hora, não por causa da temperatura mas para não a agitar muito, como explicou a pediatra. Ai, espera, afinal a pediatra não sabe nada. A fralda depende, depende de tantas coisas todos os dias. Nós próprios mudamos todos os dias porque nos adaptamos à nossa filha – não é assim que se faz? Sabemos que, normalmente, depois de mamarem sujam a fralda, mas se ela não acorda para mamar, ou se adormece a meio do processo, mudá-la com uma compressa e água mais fria é o melhor para despertá-la. Água fria? Sou a pior. E aquele arranhão na cara? Mas eu não percebo que tenho de lhe cortar as unhas? A miúda foi logo sair ao pai nesse pormenor, e saiu com as unhas dobradas, coladas na cabeça dos dedos. Apesar de estarem assim, cresciam nos cantos, e eu ia limando, mas só na primeira semana consegui ‘descolá-las’ lá de cima e cortar melhor. E corto todos os dias, porque os cantos continuam a crescer mais depressa, e são mais finos, quase como papel, e arranham – eu sei, o meu peito, cara, cabelos, também sabem. Como é que eu não me lembrei de lhe cortar as unhas? Que má mãe.

Não fazemos tudo bem, eu sei. O primeiro banho cá em casa foi uma coisa aterradora. Parecíamos duas baratas tontas. Ainda não tínhamos feito a instalação completa no nosso quarto, eu corria ao quarto dela para ir buscar as coisas, o Z. passava-se comigo porque queria que eu visse a temperatura da água antes que arrefecesse, acabámos por discutir. A minha mãe, que veio passar aqui uns dias connosco a seguir ao nascimento (obrigada, obrigada, foi fundamental!), olhava para nós serenamente, e não sei como não bateu com as nossas cabeças uma na outra. Em nenhum instante nos julgou, nos fez sentir mal ou maus pais. E, quando tinha alguma coisa a dizer, fazia-o com jeitinho – “agora dizem para fazer assim? Na minha altura diziam para fazer assado”. Obrigada mamã, por ser assim e me ensinar a ser assim. Ter um filho é uma aprendizagem constante. Quando o despertador toca a meio da noite e mal consigo ter os olhos abertos para dar de mamar, quando dou por mim a adormecer também a meio do processo, também acho que sou má mãe. Às vezes chego a esquecer-me de qual foi a última mama ‘usada’ (coisa de mãe má!) – ao início, a conselho do Z., baptizei-as, eram a ‘mama 1’ e ‘mama 2’. E fazia uma chamada para mim própria com a hora do começo da mamada e o número da mama. Depois o Z. descobriu a aplicação da Nestlé, que devolveu ao meu peito a dignidade. Mas até aí sou má mãe – na tentativa de saber quanto tempo mama a minha filha deixo o telemóvel muito perto da cabeça dela! Tantas vezes dou por mim sem saber de mim própria. Nem sempre consigo tomar um bom banho todos os dias. Já cheguei a estar 4 dias sem o fazer, é verdade. Quando tenho alguém que fique com ela ou quando ela está mais sossegada, fico uma meia hora debaixo de água (com o intercomunicador na casa de banho e ela na alcofa, calma!), passo todos os cremes a que tenho direito, e depois fico a achar que a pequena nem me vai reconhecer porque, para ela, sou ainda e só uma vaquinha leiteira com cheiro a queijo fresco (ou leite azedo). Mas isso há-de ser uma coisa boa, espero eu – fiquei a saber através de uma amiga que, no curso que ela frequentou onde juntaram todas as mães da preparação para o parto já com os bebés, e que devem ser umas 20, apenas ela e outra mãe estão a amamentar (os bebés têm cerca de 3 meses). Todas as outras desistiram na primeira semana porque era muito difícil. Não julgo ninguém (que bom que era que não me julgassem a mim!), e sei que a amamentação não é apenas uma necessidade e um benefício para os pequenos, mas também uma escolha pessoal. E é difícil, pois é, mas nunca me passou pela cabeça desistir – dói ao início, pois dói, é difícil ela pegar, pois é, a subida do leite é tramada, se é, mas vamos lá a isso. Espero não ser uma má mãe aqui também. Quando me vejo ao espelho despenteada, de pijama quase todos os dias, com o buço grande, as sobrancelhas por fazer, os pelos das pernas enormes, as unhas dos pés quase a furarem as meias, nem sempre me reconheço, mas estou ali, a tentar dar tudo pela minha filha, sem me esquecer de mim e do Z..

Depois vamos à pediatra, ou ao hospital, ou ao Centro de Saúde, como hoje, e parece que está tudo bem. Dizem-nos que a rapariga cresceu 2cm, que aumentou 500gr em dez dias, que tem a pele bem, o umbigo espectacular, que não há forma de evitar as cólicas, que é tranquila e isso é um reflexo dos pais que tem, que parecem sempre muito tranquilos e à vontade com ela. E eu fico feliz. Que nos julguem os outros, que nos achem maus pais. Parece que nem tudo está perdido. Sou má mãe, deixem lá. Mas a pequena está bem. E eu nunca fui tão feliz.

 

*Se se encontrarem neste texto, não me levem a mal. Tentem lê-lo com algum humor e pensem que ainda andam por aqui muitas hormonas à solta! Se e quando forem mães vão entender…

Sexta-feira, 6 de Dezembro de 2013

.Mãe

Foi um sábado tranquilo, de contagem decrescente para a entrada nas 37 semanas. O mano do Z. e a namorada vieram passar o fim-de-semana a nossa casa e, para além de comermos (a M. trouxe tarte de amêndoa, queijos, chouriços, e uma caixa enorme cheia de miniaturas de salgados), passámos o tempo no sofá. Almoçámos picanha, mas o jantar foi bem mais saudável, douradas e robalos, e voltámos ao sofá. Eu tinha algumas dores, pois claro, o normal, e já passava da uma quando resolvemos ir para a cama. Acordei às 04:30 com vontade de ir à casa de banho. Ainda estive lá algum tempo, mas, tendo em conta os calores com que andava, estava só com a blusa do pijama e comecei a gelar. Ia a voltar para a cama quando percebi que estava húmida – fiquei irritada comigo, tanto tempo na casa de banho e ao chegar à cama é que tinha resolvido perder o controlo da minha bexiga. Talvez fosse corrimento, pensei. Depois vi e não era. No curso ensinaram-nos que o líquido amniótico se confunde com a urina e não com corrimento, por isso tinha duas hipóteses: ou a bolsa tinha rebentado, ou a minha bexiga estava mesmo descontrolada. Peguei no telemóvel para tentar perceber o que tinham sentido outras pessoas quando lhes tinham rebentado as águas, mas não foi preciso procurar muito. Aquilo continuava a sair, aos poucos, e eu começava a perceber que o grande dia tinha chegado. Não pude deixar de me rir – pedimos-lhe tantas vezes que se aguentasse até dia 24, e a rapariga foi obediente. Eram 04:40 de dia 24, e aí vinha ela. Soubesse eu que era assim e tinha pedido de outra forma, que viesse só no dia 15 de Dezembro. Era esse o pensamento de toda a gente – depois de passar esta fase de maior preocupação, eu ia acalmar, ela também, e provavelmente o parto até teria de ser provocado. Eu não sei o que pensei. Não queria que ela fosse prematura e queria que viesse saudável. Ela esperou – pelo dia que pedimos, que o padrinho viesse ver-nos ainda ‘grávidos’, que a madrinha tivesse um fim-de-semana de folga para poder vir vê-la logo que nascesse, que o primo F. viesse de Faro (viu-nos grávidos no sábado, e no domingo viu-a na maternidade), que o pai estivesse em casa para nos levar à maternidade (já tinha imaginado ir de táxi), que os avós maternos tivessem a loja fechada. Só não conseguiu esperar pelos avós paternos porque resolveu nascer na altura em que as ovelhas começaram a parir também. Mas nunca vamos poder dizer-lhe que foi desobediente. Acordei o Z. e disse-lhe que preparasse as coisas enquanto eu tomava um banho porque estava na hora. “De certeza? Não… Volta a descansar” – voltei a abaná-lo, tinha a certeza. O rapaz preparou a mala de ‘paternidade’ em 5 minutos (“Demoraste tu semanas a preparar a de maternidade!”, dizia-me), encheu um saco com as miniaturas da M., e bateu à porta do quarto de hóspedes para avisar o irmão, “Olha, nós vamos ao hospital, mas deve ser falso alarme”. Falso alarme? Rebentaram-me as águas! Respondeu-me que não queria preocupar o rapaz. E lá fomos. Ou íamos, ainda tivemos de voltar para trás porque percebemos que não tínhamos deixado nenhuma chave em casa e não levávamos casacos.
Não vou mentir. As contracções são terríveis, do pior que já senti. Sei que pensei isto na altura, mas agora, já com alguma distância, não sei bem quantificar. Dores paridas, dores esquecidas, sempre ouvi dizer. Comecei a senti-las no caminho (sempre pedi para que a bolsa rebentasse primeiro para eu saber quando ir para o hospital, se tivesse de contar contracções e minutos não me orientava!). Dei entrada no hospital a meio de uma contracção, nem sei bem como falei com a rapariga. Sei que tive outra no elevador que nos levou até à urgência de obstetrícia. E depois veio a enfermeira, a fazer-me um monte de perguntas com toda a calma do mundo. Pois, era preciso, mas eu precisava mesmo era de qualquer coisa que parasse aquelas dores. Foi quando veio a médica, uma senhora já com uma certa idade, que eu já tinha visto por lá, e que toda a gente dizia que era uma querida. E era, só me dizia “Pobrezinha, a menina está cheia de dores, não está?”. Mandava-me sentar, e eu, com aquela voz arrastada, enquanto alternava entre apertar uma cadeira ou segurar-me na parede, lá lhe explicava que estava melhor de pé. E lá veio o famoso e doloroso ‘toque’. Não vou mentir - doeu! Confirmou-se, a rapariga vinha aí, no dia em que completava 37 semanas. “Devia aguentar-se mais tempo, mas agora não há nada a fazer, ela já decidiu”, sossegava-me a médica. E lá fui eu para o bloco de partos, e lá veio a anestesista dar-me a epidural (“tem a curvatura ao contrário, 1, 2, 3, espere, 1, 2, 3, …, é agora”). Perguntou-me se doía - quando uma pessoa está a preparar-se para o parto, ou já em trabalho de parto, todas as outras dores são relativas. Uma picada nas costas era quase uma massagem. E foi aí que cheguei ao céu. Dor, qual dor? Nada. Sentia uma ligeira impressão a cada contracção, mexia as pernas, falava com o Z., que entretanto já estava equipado ao meu lado, mas dores, nada. Um verdadeiro milagre! O Z. acabou por adormecer, ali no cadeirão ao meu lado, e eu só lhe dizia que era uma vergonha o pai estar a dormir. E ele mandava-me dormir também, porque teria de fazer força dali a umas horas – ia ser lindo, dormir durante o trabalho de parto! Aproveitei para ligar à minha mãe, que ficou logo num pranto, e mandar mensagens às pessoas que pediram para avisar independentemente da hora. Foi quando entrou uma das enfermeiras, a mais querida, e que me fazia lembrar a minha mãe (“Minha querida, ninguém imagina que custe tanto, não é?") e o Z. deu um salto do cadeirão. “Você é polícia, não é?”, olhámos um para o outro, de onde seria que ela o conhecia (apesar de ser da GNR). Parece que lhe reconheceu o salto e a posição de descanso, porque o marido é polícia, e ainda deu para nos rirmos um bocadinho.
Para além de não querer que a moça fosse prematura também gostava de chegar às 37 semanas para que fosse o meu médico a fazer-me o parto, ali naquele hospital (Lusíadas). O meu pequeno raio de sol não estava incluído no meu seguro e o do Z. não tinha acordo com o hospital – caso precisasse de incubadora, poderia chegar aos 400€/dia, o que não era uma hipótese a ter em conta sequer. E ali estávamos nós, mas o meu médico não – não atendia o telefone. Mudou o turno e a médica de serviço veio apresentar-se e dizer-me que já tinha falado com ele, tinha ido passar o fim-de-semana fora e tinha deixado o telemóvel no carro, pedia muitas desculpas e assegurava-me que estava em boas mãos. Vamos a isso. Estava com 6,5cm de dilatação, ela decidiu avançar com o processo e pôr qualquer coisa no soro. Numa hora cheguei aos 9cm, e já tinha toda a equipa ali, à espera que o colo do útero se apagasse. Levei mais umas doses de epidural sem perder nunca a sensibilidade, só a dor. Olhei à minha volta – tirando o facto de o meu médico não estar ali, tudo era como imaginei. Talvez por ver tantas Anatomias de Grey, sempre tinha imaginado a sala assim. Confesso que só me assustei quando, a meio do processo de preparação, despejaram uma caixa cheia de tesouras para cima da maca ao lado. Pois, ia ter uma criança. Ia haver cortes. Mas eram mesmo necessárias tantas? Estava tudo à minha volta, o Z. ao meu lado, a dilatação completa, o colo do útero apagado, era altura de fazer força. Esperar por uma contracção, "Agora!" – e eu lá fazia, enquanto agarrava aqueles ferros de lado e os puxava como se remasse. Lá para a quarta contracção já toda a gente via a cabeça da minha filha menos eu – a médica (“Na próxima faça mais força, olhe, ela já está aqui, estou a penteá-la!”), as enfermeiras (“Já dá para fazer penteados!”), o pediatra que passava à porta (“Tanto cabelo!”). E eu a preparar-me para a contracção seguinte porque me disseram que tinha de ser mesmo naquela ou tínhamos de passar a outro plano. “Agora!” – e nem elas deviam estar à espera que eu fizesse tanta força, porque, de repente, só me diziam “calma, calma”, e foram todas apanhá-la. Depois, depois foi aquele momento em que as palavras deixam de contar, em que o tempo pára, em que percebemos que nos tiraram um bocado nosso e que este agora vai ser sempre do mundo também. Naquele instante, naquele momento em que a meteram em cima de mim, só consegui rir, rir muito, para aquela pequenita que já saiu a chorar em força, e que me olhava de olho bem aberto – foi nesse instante (talvez tenha sido logo em Abril, quando soube que ela existia) que me roubou o coração. 30 minutos a ser cosida (ai os pontos, caramba, os pontos, que ainda não me deixam sentar nem dormir, e que para serem tirados também nos deviam dar epidural!), pequeno raio de sol a ser examinado (2,800kg e 47,5cm), voltou para cima de mim para o ‘corpo a corpo’, e, depois de devidamente vestida pelo pai, lá seguimos para o recobro. Pensei que tinha de contar à minha mãe que me tinha portado muito bem – não chorei, não gritei, não disse asneiras, colaborei em tudo. Ela ia ficar orgulhosa. Sou tão mariquinhas que sempre pensei que ia fazer tudo isso, e ela ralhava comigo, “Tens de ajudar, de cada vez que gritas o bebé sobe, isso era uma vergonha” – e eu soube que ela nunca poderia ser a minha acompanhante no bloco, não a queria desapontar!
Até às 13:00, altura em que nos levaram para o quarto, esteve de olho aberto a olhar para mim e eu a tentar que ela mamasse. Não nos chateámos nesse instante, estávamos apenas a conhecer-nos, a apaixonar-nos. Só nos ‘chateámos’ mais tarde – depois das visitas, depois de um dia intenso, a rapariga continuava sem comer. O nome não poderia ter sido melhor escolhido, a minha (nossa!) Bela Adormecida repousava num sono profundo, e nem se lembrava de comer. Valeu-nos a paciência do pai, que pôde pernoitar connosco no hospital durante o tempo que lá estivemos (devia ser obrigatório em todos os hospitais, como é que se pode ficar sem o pai? Não sei!). Eu, pelo contrário, nem dormi. Fiquei ali, de olho muito aberto, a contemplar toda aquela perfeição. Como era possível eu (nós!) ter feito tudo aquilo. E pensava em como a amava já tanto, e pensava em todos os medos que o amor traz com ele. De cada vez que fechava os olhos vinham-me à ideia coisas terríveis, e o sentimento de perda era tão grande que as lágrimas corriam cara abaixo, mesmo estando ela ali ao meu lado, na minha cama, de mão dada comigo. Se na primeira noite em que lá estivemos a moça esteve de dieta, na segunda mamou das 00:00 às 04:00, e não parecia satisfeita. O cansaço já era tanto que adormecia ela, depois adormecia eu, depois acordava em pânico com medo dela estar a sufocar, e íamos alternando até que resolvemos chamar os enfermeiros. Foram sempre incansáveis connosco, chegaram a estar lá uma hora, cada um deles, a ensinar-nos truques, a estimulá-la, a lutar. Nunca falaram em biberão, em desistir, em suplementos. E, até ver, conseguimos. Continua Bela Adormecida, continua a precisar que a acordemos de 5 em 5 minutos, continua a precisar que o despertador toque antes da hora da mama para que a comecemos a acordar, ou a precisar de trocar de fralda antes de cada mamada para despertar, mas, passados 9 dias, já tinha recuperado o peso perdido e ganho mais 50 gr. E isso deixou-me (nos!) feliz, pois claro. A felicidade agora depende quase por completo dela. Quando mama na língua, quando faz aqueles meios sorrisos, quando faz muita força com a cabeça, quando agarra um dedo, quando faz uma careta, quando suja a fralda, quando faz uma boa pega, quando nos olha de olho bem aberto, quando dorme profundamente, eu (nós!) sou mesmo feliz. Para a felicidade se instalar cá em casa precisa apenas de, por exemplo, ver um cocó da Bela Adormecida – mesmo que sejam só 4 da manhã. E mesmo as coisas dolorosas são perfeitas – dar de mamar não é fácil (mamilos gretados, subida do leite, …), mas quando ela está a fazê-lo bem, a agarrar bem, a puxar bem, e fica ali a mamar de olhos abertos em direcção aos meus, não consigo deixar de chorar de felicidade. Às vezes nem é preciso tanto – basta tê-la no meu colo, mesmo de olhos fechados, só a sentir a respiração dela, as bochechas, a ver aquele queixo perfeito, para que as lágrimas caiam e o meu coração fique apertadinho.
Faz no domingo 15 dias que, como disse um amigo meu, “saí de casa de mãos vazias e regressei com o mundo nas mãos”. E podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a contar. Tenho feito por registar todos os pontos altos dos nossos dias para que nada fique esquecido, mas todos os meus dias com ela são agora pontos altos. Tenho feito por aproveitar cada pequeno momento com ela – desde dia 24 que não há séries, televisão, livros, ..., o meu canal agora só dá Pequena A.. Na maior parte das vezes nem sei do meu telemóvel, e ainda hoje o Z. foi dar com ele numa gaveta da casa de banho. Sempre gostei de miúdos, mas não tenho um jeito natural para os cativar ou cuidar deles, como tem a minha irmã, por exemplo. Se começassem a chorar no meu colo provavelmente ia passá-los para o da mãe. Mas agora a mãe sou eu, sou eu que devo ter nas minhas mãos, no meu colo, na minha vida, o controlo remoto das emoções, da vida da minha pequena. E assusta-me que não esteja à altura. Apesar dos cursos, dos conselhos, só quando ela entrou em casa connosco é que começou a verdadeira aprendizagem - até de uma coisa tão simples quanto mudar uma fralda - a última tinha sido à minha afilhada, que já faz 16 anos no dia 1 ("- L., ela tem cocó. - Deixa ver. - Já que estás aqui não queres mudar?" - E assim se safa o pai, apesar de já ter tido de saltar para o lado, mesmo à filme, para escapar a um que veio de esguicho durante uma troca). Todas aquelas coisas que passamos a vida a ouvir, “o mundo muda”, “não há nada igual”, “é um amor sem fim”, “quando fores mãe logo vês”, fazem agora sentido. Conhecê-la foi, ao mesmo tempo, conhecer o maior amor do mundo e o maior medo também. A maior alegria e o maior aperto. E eu podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a dizer. Mas já faz uns 5 minutos que não a aperto e não lhe dou um beijo na bochecha vermelhinha, ou no queixo mais que perfeito e isso, em tempo de mãe, é uma eternidade.
Pois é, parece que sim. O meu mundo mudou. Não há nada igual. É um amor sem fim. Sou mãe.


Curiosidades sobre este dia:
- A madrinha e o namorado comemoraram 7 anos de namoro! É uma vida, tendo em conta que começaram aos 16 anos!
- Esteve um dia de sol lindo. Estava frio, mas um sol forte que nos conseguia aquecer por dentro. E foi assim também nos dias seguintes.
- Na noite de sábado, a avó S. escreveu no facebook que queria ser avó no dia seguinte, só por ser aquele em que íamos ficar todos mais descansados. E foi mesmo. Nunca duvides do poder das palavras de uma mãe!
Terça-feira, 19 de Novembro de 2013

.Da gravidez

Quando tive a consulta das 28 semanas não ia preparada para o desfecho final. Sim, duas semanas antes, na Curia, tinha sentido um embate violento na barriga, quase um acidente de carro localizado, e pensei que a moça tinha dado a volta. Quanto à barriga dura, que toda a gente comentava quando lhe tocava, pensei que era normal. As dores? Não fazem parte da gravidez? Quando me deitei para fazer a ecografia, antes mesmo de me tocar, o médico disse que eu estava a ter uma contração. Acha? Não. “Olhe para o formato, agora toque-lhe, e dói?” – estava quadrada, dura que nem uma pedra e doía, sim, como se um túnel estivesse a ser aberto em baixo. E a moça já encaixada para sair, apressadinha, mesmo sendo filha de dois alentejanos. Esperámos pela consulta uma hora e, nesse período, voltei a sentir aquilo três vezes. Ao Z. bastava olhar para a barriga, com um formato estranho, para perceber isso mesmo. Falávamos disto com o nosso médico quando ele pergunta: “então e o trabalho, está mais calmo?”. Quando, na última consulta, acusou a incisura e lhe expliquei que não podia ficar de baixa porque, na altura, estava sozinha e no meio de um processo chato (nesse dia trabalhei sempre no hospital de pc ligado e voltei ao trabalho até às 22:00), ele não gostou muito da minha resposta, achou que eu estava com as prioridades trocadas, e fez-me prometer que ia mudar o comportamento. Pensamos sempre que somos fortes, que conseguimos fazer tudo, que, mesmo estando grávidas, a vida vai continuar igual e podemos continuar a fazer as nossas coisas sempre da mesma forma. E ali estava a prova que não. “Está de férias e assim? Não queremos bebés prematuros. Vai ficar em casa, e desta vez não há desculpas”. E foi assim que saí dali, de lágrimas nos olhos, por uma série de coisas. Faltar ao trabalho – há dias bons e maus, como em todo o lado, mas gosto de trabalhar e do que faço. Vou ter um bebé, sim, mas esta também é uma parte importante da minha vida, e imaginava-me a trabalhar até ao final da gravidez. Baixa de risco. Palavras estranhas – talvez por conhecer gente que usa baixas, e de risco, sem que façam realmente falta, custou-me. Mas havia a pior parte – eu não estava a fingir, e havia a probabilidade real da minha filha nascer prematura por minha causa. Na médica de família o raspanete foi ainda pior. Tinha de ficar de cama, esforços zero, e mais um sem fim de recomendações. Autorização para sair de casa apenas para consultas e curso de preparação para o parto. E assim estou, desde o início de outubro. Todos os dias, semanas, são uma vitória. Sempre que recebo o email, ao domingo, a dar conta de uma nova semana e do que o meu pequeno raio de sol anda a fazer, é uma felicidade sem explicação. Mas não tem sido fácil. Sempre que saio de casa para fazer qualquer coisa, raras vezes, fico mesmo aflita e percebo que, mantendo a vida que levava, ela já estaria cá fora. Mas são muitos dias em casa. Cansei-me de séries, de livros, de dar um jeitinho às coisas, de arrumar a mala dela, sei lá. Os pontos altos do dia passam por senti-la mexer, comer e esperar que o Z. chegue a casa. O curso de preparação para o parto foi uma boa surpresa, e adorei fazê-lo, conhecer gente, sair de casa, mas durou pouco tempo. Tenho tido ajudas, tantas. A família. A minha mãe, pobrezita, tem vindo cá todas as semanas, às vezes mais do que uma vez por semana, trazer-me doses extras de mimo e de um sem fim de coisas, e ainda mais surpresas. Esta semana trouxe-me as avós e a afilhada, e fez-me chorar – já não as via há quase dois meses, tantos dias sem ir ao meu Alentejo. O pai, sempre preocupado e a arranjar-me coisas para me distrair. As avós, a mana, sempre a ligarem e a mandarem mensagens. A madrinha, sempre preocupada e a fazer-me companhia quando pode, e a ralhar quando me vê a abusar (ou não!). Os amigos. A T., a Ce., a In., a Car., a Ve., a Li., a Al., a prima Mi. – sempre com um bocadinho para mim, quer seja no facebook, no telemóvel ou numa visita. E uma especial, a A. e o meu sobrinho pequenito, que amanhã já faz três meses. São mais de 10 anos de amizade, 6 de trabalho diário conjunto, e agora até somos vizinhas. Ajudamo-nos no que podemos e uma vez por semana temos conseguido estar juntas, o que é um balão de oxigénio para os dias seguintes – aprendo a vê-la com o pequenito, vemos roupas, tralhas de bebés, conversamos sobre tudo e comemos, o ponto alto! E o meu Z., que tem sido um pai e um namorado incansável. Até a tábua de passar a ferro pendurou num sítio bem alto para que eu não a consiga tirar. E deixa-me fazer o dia da pizza e comer gelado de chocolate belga sem ralhar muito (não é o mais saudável, mas nunca senti tanta necessidade de açúcar e isto está controlado, engordei 8,5kg desde o início). Depois há os dias mais difíceis, em que as dores se tornam insuportáveis e me fazem esquecer o tédio que é estar tantos dias sozinha em casa. Como no sábado, dia 9, quando pensámos que a hora tinha chegado. Não conseguia estar sentada, não conseguia andar, perdia a força, já contávamos as dores mais fortes no relógio, rebolava com a bola de pilates, fazia as posições de relaxamento e a respiração como aprendemos no curso. Foram 4 noites assim – quando me deitava as coisas sossegavam um bocadinho, mas ao anoitecer era terrível. E foi assim que me vi obrigada a seguir o conselho da médica de família – cama. E a moça sossegou. Já estávamos a chegar tão longe, não podíamos ficar por ali. Estar muito tempo em casa faz-nos procurar e ler coisas que muitas vezes nem devíamos saber, e eu não queria (quero) que ela comece a vida numa incubadora, nem tudo o que isso implica. A minha mãe diz que agora sabemos de mais, e talvez seja verdade – ela tem sempre razão. Ontem foi dia de consulta – estava na sala de espera, sentada, quando comecei a sentir contrações mais fortes, com mais dores, fiquei sem força nas pernas, não conseguia andar, e comecei a ver tudo andar para trás outra vez. Ali fiquei de pé, amparada pelo sofá e pelo Z., até me chamarem, e na consulta continuei de pé. Parece que o colo do útero ainda está fechado, mas a rapariga já desceu bastante. Saí dali para fazer mais uma análise importante para o parto e o meu primeiro CTG, que acusou várias contrações altas. Antes de sair de lá levei uma injeção para a maturação pulmonar da moça, e hoje volto lá para levar outra, caso ela decida nascer esta semana, e as ordens são para estar de cama. Ontem jantei deitada, sempre com dores, sempre com contrações, a fechar bem as pernas para que ela não ‘caia’ antes da hora, e a perguntar-me o que mais posso fazer para que ela se aguente só mais esta semana. A noite foi terrível - nem consegui dormir, tantas eram as preocupações. Se aguentar até domingo, deixa de ser uma bebé prematura, e isso é tudo o que eu mais quero. Não tem sido fácil, nem como imaginei. Ser mãe é mesmo uma preocupação desde o instante em que sabemos que o vamos ser. Se conseguimos chegar às 12 semanas, quando começará a mexer, depois disso vem o ‘porque será que ainda não mexeu hoje’, se tem tudo no sítio, se não tem doenças, se não vem antes da hora, sempre a desejar que chegue a próxima ecografia/consulta, … . Mas, como diz o meu grande amigo Car., “se fosse fácil não era para nós”. Ontem, depois do CTG, enquanto esperava que me trouxessem a injeção, ali ao lado do bloco de partos, passaram com uma maca com uma mãe e um recém-nascido. Ela tinha um ar muito cansado, estava branca, ele ia nos braços dela, muito agasalhado, de gorro, ainda muito inchado e com manchinhas. Não pude deixar de olhar, e ela fez-me o maior sorriso do mundo e piscou-me o olho. Não é que eu tivesse dúvidas, mas naquele instante tornou-se tudo muito claro. Qual sofrimento, qual cansaço – quando chegar a hora (só mais uma semanita, por favor!), quando a tiver nos meus braços, nada mais vai importar, e tudo, mesmo tudo, vai ter valido a pena.

 

Estou:
Terça-feira, 27 de Agosto de 2013

.Da vida

Era o primeira dia de festa, daquela que se faz esperar um ano inteiro. O dia tinha sido de correria – sozinha no serviço, dia de anos da mana, o jantar dela à minha espera num sítio e o meu colega apresentador de festa à minha espera noutro. Cheguei atrasada aos dois sítios, como não gosto, como tenho feito tantas vezes nestes últimos tempos, nunca por minha culpa mas da vida, que é mesmo assim. Jantei com ela e depois subi ao palco, já fora de horas. Enquanto esperava que terminasse o primeiro concerto, perto do Z., dos meus amigos, da minha família, começou a dar o “Forever Young”. É uma música que sempre mexeu comigo, que sempre vivi preocupada com a vida, com a morte, com a perda de todos aqueles que amo. Naquele dia mexeu mais ainda. Olhei para todos eles. Pensei também em todos os que não estavam ali, mas costumam estar. Olhei para tantos que não conhecia. Baixei os olhos e olhei para minha barriga. E estava feliz, pois estava, mas não pude deixar de deitar uma lagrimita – a vida muda mesmo, passa e arrasta-nos com ela. Depois daquele bocadinho de catarse interior, foi tempo de rumar ao Alentejo do Z. – chegámos às 04:00 e ficámos até às 19:00, só para estarmos um bocadinho com o melhor amigo dele, que fazia anos nesse dia. Seguimos outra vez para o meu – são só 02:30 de distância entre os nossos dois Alentejos, e por lá ficámos até domingo à noite – na segunda era dia de trabalho. E que dia – só terminou às 22:00. Antes, houve consulta, ecografia, e raspanete. Parece que o stresse e o cansaço dos últimos dias resultaram numa ‘incisura protodiastólica nas uterinas’. Na prática, faz com que passe menos sangue pelo cordão umbilical e pode provocar um parto prematuro, hipertensão e uma miúda magra de mais (que, até ao momento, não está). O meu médico, sempre tão calmo e ponderado, até levantou a voz para me dizer que tinha apenas até à próxima consulta para baixar o ritmo, ou era mandada para casa sem possibilidade de reclamar. E obrigou o pai a prometer que me arrastava até ali se eu me portasse mal antes dessa data – o pobrezito até regressou comigo ao trabalho, ser pai é difícil. E eu, pela primeira vez, tive medo a sério. Pela primeira vez, percebi que aquilo que faço tem mesmo implicações em mim e, pior do que isso, na minha pequena alvorada. Mas como é que se abranda o ritmo? Foram fins de semana e semanas de loucura. Em casa, no trabalho, com as pessoas à minha volta. Semanas com dias de trabalho de 14 horas e chegar a casa depois disso para lavar paredes e arrastar móveis, e ainda fazer viagens como se não houvesse amanhã. Dias em que cheguei ao trabalho lavada em lágrimas de tantas preocupações e que chegava a casa sem conseguir descansar. Todas estas coisas terão de ser, até dezembro, exceções raras e não a regra. Porque a vida muda mesmo, e o que acontece aos outros pode acontecer-nos a nós, e o que fazemos com a vida pode ter resultados menos bons. E eu, e todos os meus, podemos não ser para sempre jovens nem viver para sempre. Mas vem aí alguém que quero que acredite no contrário durante muito tempo… O meu pequeno raio de sol. E por ela, por esta nossa pequenina família, vale a pena mudar de vida.

 

No próximo sábado rumo à Curia para uma semana sem fazer rigorosamente nada para além de descansar e aproveitar as minhas pessoas. É tão bom que haja coisas que nunca mudam... E como era bom que esta (a avó, os primos, a mana, ...) pudesse durar para sempre.

Quinta-feira, 20 de Junho de 2013

.Das reclamações

Nunca fui uma rapariga de reclamações, em toda a minha vida devo ter feito duas – e até contei a história por aqui. Tantas vezes guardo para mim aquilo que penso que se tornou um hábito, uma forma de ser. Outras vezes resolvo falar e corre mal, como ontem (que raio de semana esta!), mas hoje tenho uma história com um final semi-feliz. Quando soube que estava grávida lembrei-me que ainda não me tinha mudado para o centro de saúde do sítio onde moro agora. Estava registada na terrinha e por lá continuei, apesar de ter mudado todas as outras coisas. Mandei email para as duas unidades de saúde locais e recebi um telefonema de volta, das duas, que lamentavam muito mas não aceitavam inscrições há quatro anos, nem naquela modalidade de ficar sem médico associado. Passei-me, nem queria acreditar. E as hormonas aos saltos, e o sangue que aumenta de volume a ferver, e saiu uma reclamação. Ministério da Saúde, Unidades de Saúde, Direção Geral de Saúde, não sei quê de Saúde de Lisboa e de Sintra. Passados uns dias recebi um telefonema de uma das Unidades. Que não sabiam bem o que se passava, mas que tinham ordem do Diretor para me ligar e pedir os meus documentos para procederem à inscrição. Fui lá a primeira vez – e o pai da criança, não se quer registar? Quer pois, voltei lá uma segunda vez com os documentos dos dois – vê aquela pilha? Estão todos à sua frente, vai ter de esperar. E o curso de gravidez? Gostava de frequentar, aqui é gratuito – pois menina, nasce a criança e você ainda não está inscrita, vá onde está registada. Ai é no Alentejo? A 100km? Pois, não sei, vá ver nas terras vizinhas. Passei-me de vez. Não queria passar à frente de ninguém, queria que todas aquelas pessoas estivessem inscritas. Isto faz sentido? Vivemos num país, de acordo com as leis e regras que nos impõem, pagamos impostos, todos os impostos, e não temos direito a aceder a cuidados de saúde / médicos no local de residência? Felizmente, tenho possibilidade de pagar um seguro de saúde e estava já a ser acompanhada num hospital privado, e quem não pode fazê-lo? Quantas daquelas pessoas não o podem fazer? Saiu nova reclamação, um bocadinho mais agressiva sem ser mal-educada, que também já respondi a algumas no trabalho e sei como é mau. E fui fazendo a minha vida. Hoje recebi um telefonema de uma das Unidades de Saúde. Que não só estou inscrita como até tenho médica de família. Queriam confirmar se deviam mudar todo o meu agregado familiar comigo – os meus pais e a minha irmã. De repente, surgiram quatro vagas, com médico e tudo, e passei à frente de uma longa lista de gente. E devia estar feliz, pois devia, mas não deixo de estar preocupada com os que não pensaram nisso ou não têm possibilidade de se fazer ouvir. Eu não sou ninguém neste país, nesta terra, nem no meu prédio (apesar de ser gestora de condomínio nem sequer posso mandar pintar o prédio porque não há dinheiro), e vá lá na minha casa ter um poder de voto de 50%. Mas reclamei e deu resultado. Vamos começar todos a fazer o mesmo? 

L. às 15:48
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Quarta-feira, 12 de Junho de 2013

.Das viagens

Fizemos uma das viagens da nossa vida a Itália no mês que passou. Conhecemos Roma, Florença e Veneza em sete dias, numa correria boa. Uma semana antes descobrimos que estava a começar a grande viagem da nossa vida, o que nos obrigou a abrandar ligeiramente o passo e a provar a boa cozinha italiana a horas certas. Contamos agora treze semanas e alguns dias de enjoos, medos, refeições fora, mas de uma felicidade sem comparação. Na semana passada fomos formalmente apresentados, eu e o Z. a seis centímetros de gente. Esperneou e esbracejou durante toda a ecografia, e fez-me cair umas lágrimas valentes. Isto de ser mãe e pai é uma preocupação desde o primeiro dia em que se sabe, mas fez-nos descobrir já um amor maior do que todos os que conhecíamos. Começou a grande viagem.

 

 

 

 

 

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