Fui jornalista durante pouco tempo – nem carteira cheguei a pedir, mas deu para perceber uma coisa: se pudesse, escrevia apenas sobre pessoas. Lembro-me de uma vez, enquanto estava a trabalhar nas revistas dos barcos, ter ido entrevistar um casal português que vivia num barco com os dois filhos menores, os únicos portugueses que já tinham dado a volta ao mundo de barco por duas vezes. Adorei conhecê-los, conhecer aquelas histórias que nunca me atreveria a viver. Escrevi um artigo que achei, modéstia à parte, realmente bom. Os colegas que leram gostaram bastante e o pai do meu chefe da altura, um senhor exigente que nos corrigia os artigos, chegou a ligar-me para elogiar a escrita, o encadear das histórias – disse-me que tinha sido um dos melhores artigos que já lera sobre o assunto. O pior foi quando o chefe me chamou à sala para falarmos sobre o artigo e rasgou as folhas à minha frente. Afinal, o que era aquela porcaria? Os leitores queriam saber que avarias enfrentaram, como tinha reagido o barco, como funcionaram as velas, e coisas assim. Saber como tinham aulas os miúdos? Quem eram os amigos? Como se encontravam? Como se passavam 24 horas num barco sem se cansar? Isso não interessava para ninguém. E lá voltei eu a Cascais, à conversa com eles, para poder então escrever o artigo que interessava ao meu chefe e aos leitores da revista, mas não a mim. Talvez tenha sido nesse dia que percebi que nunca ia chegar longe no jornalismo – moldei o artigo a mim, àquilo de que gostava – as pessoas, quando, afinal, não era isso que devia ter feito. Mas é possível ser-se jornalista sem deixar uma marca pessoal?
Na minha terra, há já algum tempo, formaram uma associação de jovens. Não faço parte, limito-me a participar em algumas das iniciativas e, ainda que não seja próxima de todas as pessoas que a compõem, tenho muito orgulho delas. Porque, continuando algumas pela terra ou só estando nela ao fim-de-semana, tiveram a coragem de se juntar para lutar por qualquer coisa. Organizam torneios de tudo e mais alguma coisa, fazem festas, passam filmes, reivindicam – e tudo isto me parece muito bem. Não há muito tempo passaram a ter também um jornal e convidaram-me agora para escrever qualquer coisita para lá. Não demorei muito a escolher o tema – pessoas. Cada uma desta aldeia deve ter uma história gira para contar, uma lição para ensinar, um gesto que faça rir. E o melhor é aproveitar agora, enquanto ainda estão cá, e registar e dar a conhecer este património da aldeia.
Para primeira edição escolhi uma pessoa que toda a gente conhece, o senhor M.C.., o jornalista da terra. Não se formou na área, mas poderia muito bem formar gente. É ele que todos os meses escreve as novidades da terra para o jornal do concelho, e nem a doença o impede de continuar a fazê-lo.
Tirei o dia de férias e estou pela minha aldeia. Ontem tive o melhor feriado possível – em casa, com os pais, a mana e os respectivos apêndices, à volta do lume, com comida, jogos e muita conversa. Agora estou sozinha em casa, a mãe está a trabalhar na loja, o pai foi à lenha com o Z., a mana foi com o namorado a V.N. arranjar os pneus da carrinha do pão que já teve dois furos hoje. Estou a ganhar coragem para sair de casa e ir bater à porta do senhor M.C.. Falamos muito quando nos encontramos por acaso, ele até veio visitar o pai quando foi operado, mas desta vez é diferente. Primeiro porque não entrevisto ninguém há muito tempo, depois porque acho que é sempre melhor que nos contem coisas porque querem e não só porque perguntamos. Vou tomar um banho bem quente, ligar o rádio que tanto orgulho dá ao pai, e começar a pensar no que lhe vou perguntar daqui a instantes. O medo há-de passar quando lá chegar, ou não fosse eu a L. de sempre – quando a conversa começar o difícil vai ser parar. Ou não fosse este o meu tema preferido de todos – pessoas.
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