Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2016

.Hoje

Não estou a começar o ano da melhor maneira. Hoje, para ajudar, tive um acidente. Não me querendo alongar sobre o acidente em si, queria apenas dizer que nunca me tinham feito sentir tão burra, tão incompetente, tão miserável. Tudo isto feito por um senhor agente da autoridade. Senti-me triste, pequenina, com vergonha. Somos todos pessoas, todos erramos, eu errei, mas não se pode errar assim quando se veste uma farda daquelas. Ainda há uns dias, numa entrevista para um curso, me perguntavam se nestes anos de serviço nunca perdi a calma com ninguém. E não, nunca perdi. Tento sempre ajudar, manter a calma. Foi o que fiz hoje. Tentei manter sempre a calma, responder a tudo, ser simpática e prestável. Mas um dia tenho de deixar de ser assim, cada vez mais me convenço disso – não vou longe. Não se pode humilhar assim ninguém. Até a carta tapou para ver se eu dizia a morada fiscal igual. Tudo tão triste. No final, mesmo antes de me vir embora, tendo em conta que me tinha dito que eu tinha cometido uma infração com multa de 120€ e inibição de conduzir, e até já se tinha despedido, dirigi-me a ele e perguntei como fazia para pagar a multa. Resposta: “Vou pensar se lhe mando a multa para casa ou não”. E é isto. Agora vou ficar a aguardar. Para ver se lhe apetece multar-me ou não. E nem com o senhor do outro carro tive sorte. Eu que até estava com pena porque ele disse que era viúvo, e estava desempregado, e num carro emprestado. Apertei-lhe a mão, desejei-lhe um bom dia. Resposta: “Vá mas é almoçar que a falta de atenção deve ser da falta de comida no estômago”. Engoli em seco, uma vez mais, sorri e entrei no carro. Tenho tanto a aprender ainda com a vida.

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L. às 16:44
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Sexta-feira, 20 de Novembro de 2015

.Hoje morreu um homem bom

Hoje morreu um homem bom. Um homem de quem gosto muito e que sei que também gostava de mim (e da minha pequenita). Obrigada: pelos passeios que demos com o avô Chico, pelos pés descalços na sua horta, pelo colo que me dava enquanto eu comia arroz doce. Tenho saudades de o ver chegar todos os dias do trabalho, de o ver parar a carrinha ao lado da minha casa, e abrir o portão. Esta é a imagem que vou guardar – o aceno de mão na boina, o sorriso meigo. Foi consigo que aprendi a registar tudo o que se passa para nunca esquecer. Quis o destino, ou sei lá o quê, que, quase no fim, acabasse por esquecer tudo. Por aqui fica a lembrança e a saudade. Hoje morreu um homem bom – o vizinho António Rita.

L. às 13:53
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Quarta-feira, 6 de Maio de 2015

.I'm sixteen going on seventeen

Este último mês foi aquele em que te vi mudar mais. Tantas coisas novas nos 16 meses! De repente, já tens 4 dentes a caminho (e que grandes são os de cima!) e já andas. E se andas. Ainda ontem tive de correr a casa toda para tentar perceber onde te tinhas escondido. Ou fui dar com uma vela enorme na tua mochila, já na escola, que foste buscar a um dos quartos e escondeste ali. De repente, a minha bebé pequenina já não pára no sítio. E também já não é assim tão pequenina. Começaste a andar no meu Alentejo e eu estava lá para ver. Chorei por isso – tenho tanto medo de perder bocadinhos importantes da tua vida, mas este não perdi – eu estava lá. Tínhamos chegado da festa de ano de um amiguinho e estávamos na brincadeira, vai à mãe, vai ao pai, vai aos avós. E de repente lá estavas tu, ainda muito abanica, de braços esticados para manter o equilíbrio, a fazer aquele pequeno trajeto sem estares agarrada a lado nenhum. E tem sido tão bom ver a tua evolução – primeiro só te largavas de pessoas para pessoas, depois de pessoas para coisas (mas olhavas para tudo muito bem, porque podias ter de fazer uma paragem a meio do caminho), de onde descias de gatas ou chamavas para te irmos buscar, depois de coisas para coisas e agora de tudo para tudo, ou do nada, se te largarmos, para nada, porque andas por ali a passear. E ficas parada muito tempo a estudar o próximo destino. Continuas mimosa, a ir a todos os colos, a dar beijos a toda a gente, ou a mandá-los enquanto dizes adeus a todos os carros que passam. Mas também já te vimos levantar a mão a uma ou duas pessoas quando estás muito cansada ou com sono. Já sabes imitar o cão, o gato, a vaca, o pato, o burro, a ovelha, o porco, a abelha e é tão bom ver-te a fazê-lo. Quando te perguntamos como faz o cavalo começas aos pulos – a culpa é nossa (mais da avó), que pega no teu cavalo de pau e anda contigo pela casa enquanto faz “upa, cavalinho”. Abanas as mãozinhas para mostrar como faz a borboleta, e mandas um quase beijinho para imitar os peixes. Para além de os saberes imitar, adoras ver animais e mexer-lhes, sem medo nenhum. E és uma sortuda porque no Alentejo do papá tens muitos e diferentes, que te deixam tão feliz. Já dizes “mamã” (fico de coração apertadinho sempre que ouço), o papá é “tatá”, “ága” (água), a maminha é “nana” (é delicioso ver-te pedir: puxas-me a camisola, apontas e dizes “nana”. Pergunto-te se queres maminha e tu abanas a cabeça para dizer que sim). Depois vais dizendo outras coisas, mas só quando te apetece: o “ca” serve para tantas coisas, ‘cavalo’, ‘caiu’, ‘cão’; o pé é “da”, o pão é “ta”. O "já-tá" dá para quando o elevador pára, para quando estacionamos ou paramos o carro num semáforo (tiras a chupeta para o dizeres a toda a velocidade com um grande sorriso e voltas a metê-la na boca), para quando a comida acaba ou quando queres que acabe!  Sabes dizer onde estão os olhos, o nariz, a boca, as orelhas, os dentes, o cabelo, as maminhas e a barriga. Sabes mostrar a língua e piscar os olhos (esta até foi uma das tuas primeiras gracinhas). Ainda não percebes que é teu o rosto que aparece no espelho, mas adoras ficar em frente a um a dizer olá, a fazer adeus e a mandar beijinhos - a menina que aparece é muito simpática, porque te responde sempre. De repente, passaste a comer muito bem. A sopa vai toda, o inteirinho na escola também, em casa gostas de provar de tudo: no outro dia, antes do jantar, comeste fiambre, um maracujá, salmão, depois comeste a tua sopa e no final ainda provaste a nossa comida. Adoras comer pão de cereais comigo, de manhã e à tarde. Se tiver fiambre, é muito bom, se tiver manteiga de amendoim, fazes questão de a lamber toda e deixar o pão para mim. Mas o que é certo num dia no outro já não é: tanto adoras laranja ou morangos como detestas no dia a seguir. Provas tudo, já é um grande passo para quem mandava tudo fora. Depois de umas idas ao Alentejo e de um período em que andaste mais doente, começaste a dormir na nossa cama. O pai vai reclamando, eu confesso que adoro ter-te ali à mão de semear para um miminho e não ter de me levantar para te dar mama. Eu e o pai também dormimos na cama dos avós até tarde, e não temos problemas de independência ou desenvolvimento (ah, ah, ah, digo eu!), e não conheço ninguém que já anda na universidade e ainda durma na cama dos pais - temos tempo. Continuas a mamar (sim!) de manhã, à tarde e à noite. E vai ser assim até querermos as duas, sem fanatismos nem exageros. Já não gostas de trocar a fralda – levamos uma eternidade para conseguir meter-te uma lavada, porque passas o tempo a rodar para um lado e para o outro. Agora tenho feito por te dar banho logo quando chegas da escola, para depois estarmos mais livres à noite com o papá, e é tão bom ver-te brincar com os patinhos e os peixinhos sem horas contadas. Adoras cantar – e já damos por nós a reconhecer músicas que vais ‘cantando’; e dançar – basta ouvires uma música para começares a mexer-te. Continuas a adorar os teus livrinhos e é tão bom ver-te a lê-los – vais mexendo o dedinho por cima das letras e fazes a tua conversinha enquanto vais mudando a entoação – tenho de me rir sempre. Gostas de comandos (já sabes tirar a pecinha de trás para tirar as pilhas), telefones, computadores, fotografias, baldes e esfregonas. Mais importante que tudo isto, gostas de nós e fazes questão de o mostrar com um monte de mimos (ainda ontem me fizeste “ácá mamã” e depois deste-me um beijinho) e de o dizer. Eu e o pai ficamos deliciados quando, em qualquer lado, apontas para nós enquanto olhas para as pessoas e vais explicando, com orgulho, que ali estão a “mamã” e o “tatá”. O orgulho é nosso, pequena Aurora. E também fazemos questão de o gritar ao mundo: esta é a nossa filha.

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Quarta-feira, 1 de Abril de 2015

.O nosso ovo

Quando a Aurora estava na minha barriga, e porque ela me mandou ao tapete muito cedo, conversávamos muito. Sobre muitas coisas. Lembro-me de lhe falar sobre a escola e os trabalhos manuais. Para que se mentalizasse que a mãe que lhe tinha calhado em sorte não tinha jeito nenhum para essas coisas. Nem um bocadinho. Mas que não desanimasse, ia ter uma madrinha e avó talentosas, que nos ajudariam por certo. Ela nasceu, veio a escola e os pedidos de colaborações aos pais. E, ainda que continue a ter a certeza que o jeito é muito próximo de zero, nunca senti vontade de passar a tarefa a alguém. A mãe sou eu. É a mim que me estão a pedir. E eu quero muito estar à altura de tudo o que diz respeito à minha filha. E talvez assim ela comece a aprender que podemos não ser sempre os melhores (não digas isto ao avó João, que espera sempre o melhor de nós em tudo), mas que o importante é participar - tenho quase a certeza que também falámos sobre isto ainda antes de nos conhecermos.

[Este é o nosso ovo da Páscoa. Foi tão bom ver uma parede enorme cheia de ovos, todos tão diferentes, todos tão cheios de bocadinhos de quem os fez.]

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L. às 11:18
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Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2015

.A pior do mundo

No sábado, quando íamos dormir, recebi uma mensagem da minha avó. Dizia qualquer coisa como “Falei com a mana e ela disse-me que a pequenita entalou a mão no elevador da escola e meteu a mão na sopa quente”. Olhei para ela, estava bem, tão serena, a dormir, mas não consegui deixar de me sentir a pior mãe do mundo. Aquela mensagem era digna de Segurança Social. E era tudo verdade. E aconteceu tudo comigo. Na quinta feira fui buscá-la ao colégio como faço todos os dias. Subi pelas escadas, soube as novidades do dia, e depois desci pelo elevador com ela e fiz o mesmo de todos os dias: li-lhe a ementa, deixei que ela mexesse nos botões, e no exato momento em que o elevador estava a abrir e eu já com um pé de fora, ela resolveu meter a mão entre as duas metades do elevador que encaixavam uma na outra. Só ouvi o barulho dela a tirar a mão e depois começou a chorar, muito, e a gritar. E passou-me tudo pela cabeça. Que tinha partido os dedos, a mão, eu sei lá. A Dona S. ajudou-me – percebemos que tinha sido um susto. Com a chupeta e o colinho acalmou, vimos que mexia a mão e só tinha a ponta de um dos dedos raspada. Chorei muito depois, agarrada a ela, enquanto a via num soninho descansado. Fazemos aquilo todos os dias. Como é que foi acontecer? Liguei para o Z. e para a minha mãe. Nenhum dos dois atendia. Quando a minha mãe me devolveu a chamada não me ajudou, “Tens de ter cuidado, a menina podia ter ficado sem mão”. Mesmo o que o meu coração de mãe precisava de ouvir. No sábado de manhã o pai levantou-se cedo e nós ficámos as duas a ‘namorar’ na cama. Levantámo-nos às 11:00 e fui logo fazer a sopa para ela. Ficou pronta a tempo do almoço e levei tudo o que precisava para lha dar na sala. Como estava muito quente, levei um pratinho para onde comecei a deitar a sopa, para arrefecer mais depressa. Estava a fazer isto na nossa mesa e ela sentada na cadeira dela, com o tabuleiro a separar-nos. Foi quando ela se esticou, ficou quase de pé na cadeira, e meteu as mãos na sopa acabada de fazer. Choro, muito choro. E água fria, e creme gordo, e depois lá percebemos que estava tudo bem. Nestes dias, não preciso de o dizer, senti-me a pior do mundo. Sempre tão preocupada, tão atenta (pensava eu), com tantos medos, e nem quando estou por perto, nem com ela bem presa no meu colo, a consigo salvar de todos os males. Coisa difícil, esta de ser mãe. A pior de todas, no meu caso.

 

[Entretanto, já chegaste aos 14 meses. E com eles chegou o teu primeiro dente. Fomos hoje à pediatra que riu muito e disse que ia deixar de poder dar-te como exemplo quando chegam lá pais preocupados com bebés de 6 meses que ainda não têm dentes, “olhem que eu tenho aqui uma menina com mais de um ano que ainda não tem nem um”. Aumentaste de comprimento e aumentaste de peso, o que nem sempre é fácil. Continuas meiguinha, sempre a dar beijinhos (ontem na escola foram dar contigo debaixo da cadeira da papa a dar beijinhos ao Xavier, só porque o Henrique não estava, e no dia dos sentimentos foste a mais beijoqueira). Dás muitos aos bonecos, aos livros, e para o ar. Agora já sabes mandar também com as mãos (mandaste os primeiros aos avós, via Skype), e já gostas de dar nas nossas bochechas. Se dás um ao pai, tens de dar um à mãe também (dizem que nisto sais a mim…), e adoras ficar ao meio na cama a fazer festas nos dois ao mesmo tempo. Conversas e cantas muito, e agora tudo é ‘tátá’. O papá, a mamã, as fotografias. De vez em quando lá arriscas imitar-nos, e saem coisas como ‘añana’ (banana), ‘ela’ (estrela), ‘óa’ (Aurora). Continuas bem disposta e a gostar de passear – na nossa ida à Serra da Estrela só reclamaste na hora da comida, e nem te chateaste com as muitas horas no carro. Assim que ouves uma música começas a dançar e a bater palmas. A hora da comida continua difícil – começas logo a dizer que não com o dedito, mas o pai insiste e sabemos que chegou a hora de parar quando mandas para fora. Aí não vale a pena insistir. Até esse momento, o pai distrai-te com o Ruca e com os teus brinquedos preferidos de momento: tachos, panelas, tupperwares, louças (é por isto que as mulheres nunca vão dominar o mundo). Preferes a nossa comida, e ontem já não pegaste na tua sopa depois de veres o segundo prato. Gostas de noodles, ovo mexido, arroz, fiambre de peru e banana. E de tudo o que seja doce (menos xaropes, que continuas a vomitar). Continuas a gatinhar com uma perna debaixo do rabo e a andar só pela nossa mão ou agarrada às coisas. Há três semanas fizeste o teu primeiro galo na escola – testavas o equilibro quando caíste e bateste na quina de um móvel. Ainda se nota. Ainda me dói. Dizem que pode ter interferido com a tua confiança, mas a pediatra diz que é normal os bebés que gatinham de rabo demorarem mais a andar. Agora detestas vestir collants (quando te visto a segunda perna já despiste a primeira…) e mudar a fralda. É preciso dar-te uns 20 brinquedos diferentes para acabar de te vestir. Tens uns olhos lindos (com a cor dos do pai), sempre abertos e atentos. Continuas curiosa com tudo o que te rodeia, principalmente se tiver botões e luzes, como os comandos e telemóveis. Na falta de verdadeiros, tudo te serve de telemóvel, e encostas à tua orelha enquanto arriscas um ‘tá-lá?’. O ‘já-tá’ também é um clássido, e serve para quando o elevador pára ou quando terminas de mamar. Queres mais? Abanas a cabeça, ‘já-tá’. Na hora da sesta adormeces bem, abraçada a nós, a mexer nas nossas orelhas, a fazer-nos festas ou a dar-nos beijinhos. Às vezes despertas, olhas para nós, sorris, dás um beijinho e voltas a dormir. E eu fico tão feliz. À noite é mais difícil – as minhas costas confirmam. As do pai também. Damos-te banho, mama, deitamos-te na tua caminha dentro do saco cama, rezamos, contamos histórias, cantamos, brincas com os bonecos que estão à mão, mexes nas nossas orelhas, no nosso cabelo, dás beijinhos e quando pensamos que estás a adormecer, damos por ti sentada a dizer ‘olá’. Às vezes é preciso repetir os procedimentos muitas vezes. E depois, entre as 02:00 e as 03:00 encontramo-nos para um aconchego. Já cortaste o cabelo, porque a franja já chegava aos olhos, e temos de usar amaciador porque atrás fica tudo emaranhado. Recebemos a tua primeira avaliação da escola – ainda há muitas coisas que não sabes fazer, mas fiquei feliz com a parte dos relacionamentos, em que tiveste tudo ‘sim’: interages com pequeninos e com adultos, partilhas os brinquedos, és meiguinha, és feliz. E isso é tudo o que mais quero na vida, pequena Aurora, que sejas feliz.]

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Terça-feira, 30 de Setembro de 2014

.10

Pequena Aurora, meu pequenino grande amor, já estás connosco há 10 meses. Os últimos têm sido atribulados, mas nem por isso menos bons. Estamos juntos, e só nós sabemos o quanto isso é bom. Foste para o colégio sem qualquer problema. Sofremos mais nós (sou sempre eu a levar-te e a ir buscar-te, mas num dia em que o pai foi, depois de uma consulta, ficou com lágrimas nos olhos e não conseguia sair dali - tive de lhe explicar que o truque é não olhar para trás, passar-te para outro colo, dizer adeus, e seguir em frente). Começaste a fazer a fita do costume para comer, mas já comes a sopa toda ao almoço. Nunca trazes a mesma roupa que levas de manhã, porque há sempre um cocó fugitivo ou sopa espalhada por todo o lado. Logo na primeira semana começaste a sentar-te bem, e ficas sempre a rir e bem disposta. Costumo brincar e dizer que devias chorar um bocadinho por mim, mas é bem melhor assim. Ver o teu sorriso dá-me forças para passar o dia longe de ti. Nos últimos tempos as doenças não te largam, mas não trouxeste nenhuma do colégio. Talvez só a primeira – uma virose (nome que parece que serve para tudo!) que te deixou com 40º de febre, a mim em pânico, e nos levou às urgências. Uns 15 dias depois, na casa dos avós, começaram a aparecer umas borbulhas que eu reconheci de qualquer lado. Foi assim que ficaste livre da varicela, aos oito meses e meio. Dez dias juntas em casa que, se não fossem por doença, teriam sido perfeitos. Tomaste Aciclovir para que não ficasses com mais lesões, mas depois ganhaste umas novas borbulhas no pescoço, na boca e nos braços. Eczema, disseram nas urgências; alergia, disse a dermatologista. Mais de três idas ao médico depois, ainda continuas com algumas. O teu angioma já está muito mais baixo e mais pequeno, nota-se que está a ser 'absorvido'. Mas a dermatologista diz que vais ficar com uma cicatriz e excesso de pele naquela zona. Não faz mal, o importante é que não sofras - ainda que falte muito tempo para terminares o tratamento. Aos 9 meses chegaram as férias na Curia, e como foste feliz! Aprendeste a dizer adeus, vibraste com os primos, a bisavó e a madrinha, comeste sopa nos restaurantes e provaste os teus primeiros boiões (horríveis!). Tocavas nas pessoas para chamar a atenção, dizias adeus quando passavam por ti, ias ao colo de toda a gente e até fazias turras com as senhoras das lojas. Dormias no meio dos pais e, em 5 minutos, tinhas os pés em cima de um e a cabeça em cima do outro. Não adiantava arranjar-te, voltavas a esta posição em segundos. Adoraste andar na piscina com o pai e fazias uma birra quando eles não te levavam para a água. Muito pequenina. Na verdade, mal te ouvimos chorar nessa semana. Mas as tuas gargalhadas, essas sim, fizeram-se ouvir bem todos os dias. Voltámos a casa e trouxemos mais uma doença connosco – outra virose. Esta com vómitos e diarreia. Primeiro apanhou-me a mim, depois a ti, depois ao pai. Olhavas para nós, um bocadinho desesperada, sem perceber o que se passava; e nós ainda mais doentes por te vermos assim. Ficaste um dia em casa com o pai, e dormiram sempre, porque não estavam nada bem os dois. No dia seguinte fiquei eu contigo e tivemos uma surpresa: começaste a bater palmas! E gostas tanto de o fazer. Bates palmas quando estás a mamar, quando ficas contentem, quando queres chamar a atenção. Chegou mais uma semana de férias e pensámos que íamos poder respirar de alívio finalmente, mas não. Cada um de nós foi vítima de uma doença diferente, a ti calhou-te uma conjuntivite. Todas estas coisas acabaram por te tirar o apetite, e acabaste a comer ainda menos do que o costume. Não gostaste nada da praia – o vento, as ondas, deixavam-te assustada. Mas gostaste de brincar na areia e beber a água salgada que te trazíamos num baldinho. Adoravas ir para a rua conversar com as vizinhas ao colo da avó, ir ao mercado com ela, e não foram poucas as vezes que as pessoas vinham ter contigo a saber o teu nome e eu sem saber como. Ias ao colo dos turistas, rias-te quando falavam para ti em inglês, e brincavas com eles como se os conhecesses desde sempre - até choraste quando uma senhora italiana saiu do restaurante depois de ter passado a refeição a meter-se contigo. Na semana passada fomos ao centro de saúde e vim de lá a chorar: não aumentaste nada. Olhando para este cenário de doenças, assim o diz a tua pediatra, é muito normal que assim tenha sido, mas ali fizeram-me sentir má mãe e duvidar de muitas coisas. Nos últimos dias já tens comido melhor, e começaste a fazer papa à tarde com o meu leite, o que me deixa mais animada. Mesmo sem aumentares, continuas com as pernas e os braços cheios de 'chouriços' bons onde eu dou um monte de beijinhos todos os dias.

És uma bebé tão, mas tão feliz. Ris-te para toda a gente, metes-te com as pessoas todas na rua, tens de tocar nos meninos nos carrinhos de bebés, dás gritinhos de alegria só por brincar ao esconde-esconde. Acho que és meiguinha - claro que não faço ideia do que te passa pela cabeça, mas fiquei emocionada quando a educadora me disse que num dia em que o Ca., um dos bebés da tua sala, estava mais chorão, tu, que brincavas ao lado dele no chão, tiveste o cuidado de lhe dar a mão sempre que ele chorava. Mas as tuas festas não são nada meigas, tenho uns quantos arranhões que o provam - principalmente no peito, porque agora paras de mamar e ficas a tentar apanhar o mamilo com dois dedinhos armados em pinça. Se o pai estiver sem camisola, os dele também servem. Adoras animais – queres mexer em todos os cavalos, todos os cães e até num gafanhoto que o pai apanhou adoraste fazer festas. Começas a chamá-los assim que os vês, numa linguagem só tua que vamos começando a entender. Apesar de teres as tuas rotinas, e de as quebrarmos às vezes, voltas aos teus dias sem qualquer problema. Depois das férias tão agitadas e com tanta brincadeira, ficaste na escola sem reclamar e cumpriste os teus horários de lá sem chorar. Não gostas de comer, preferias viver só de mama. Não há uma única fruta ou sopa que eu possa dizer que gostas, porque fazes sempre o teu ar de nojo a provar tudo, mas não deixas de provar. Adoras comer côdeas de pão e bolacha Maria. Assim que te damos uma destas coisas largas a chupeta de imediato e levas logo à boca. Se começam a partir-se aos bocados, ficas com as duas mãozinhas a tentar colar, até perceberes que aquilo não volta a ligar e começares a comer de novo. Agora ris com os olhos fechados, e só de te ver assim fico com lágrimas de alegria nos meus. Percebes que nós achamos piada a isto, e, quando falamos com os avós pelo Skype, ris-te assim tantas vezes que, como diz uma amiga, mais pareces uma estrelinha cintilante. Estás tão habituada a falar com eles assim, a vê-los no ecrã do telemóvel, que quando to metemos no ouvido para ouvires alguém começas logo a puxá-lo para veres quem está a falar. Para ti, o telemóvel só serve para ouvir e ver ao mesmo tempo. Gostas de mexer em tudo, principalmente se não for um brinquedo teu, e levas tudo para a boca. Não gostas de estar na manta parada, preferes andar ao nosso colo para todo o lado. E se estás no carrinho com muita gente de pé à tua volta, começas a dar pulinhos e a fazer caretas para te tirarem de lá (mesmo nos elevadores com gente que não conheces). Às vezes afastamos um dos brinquedos para ver se chegas até lá, mas ou perdes o interesse e agarras outro, ou rebolas até chegar lá - viras-te de barriga para baixo, vês onde está o que queres com o pescoço muito esticadinho, levantas o rabinho, ganhas balanço e voltas a virar-te. E assim vais fazendo até chegares lá. Adoras mexer em orelhas, nas nossas e nas tuas, e acabas mesmo por adormecer agarrada às nossas. Adormeces comigo a cantar-te ‘O Balão do João’ ou a minha versão: “O soninho da Aurora / Sobe, sobe sem parar / Vai dormir, a bebé / Sempre a Sonhar. / Mas o soninho a subir / Deixa a Aurora sem querer dormir / Fica então, a bebé, muito rabugenta”. Ainda dormes no nosso quarto, mas a médica já me disse que temos de mudar isto. Vou sofrer de muitas maneiras: ainda és a minha bebé, queria ter-te ali assim para sempre; vou trabalhar no dia seguinte e tu ainda mamas durante a noite (mais nos dias de colégio do que nas férias e fim de semana – queres miminhos!). Há noites em que chegas a mamar 4 vezes. Não, não é o meu leite que não presta, queres só ter a certeza que nós estamos ali e apanhar um miminho extra. Sim, tens 10 meses e ainda mamas. E as pessoas conseguem ser cruéis com isso. "Ainda mama com essa idade?", "Como é que tens paciência para ainda tirar leite?", "O teu leite já nem deve prestar". Ignorar é a palavra certa. Mamas sim, e vais mamar até querermos as duas. Eu sou feliz a fazê-lo, tu gostas e faz-te bem. Mamas de manhã, ao almoço tiro no trabalho, mamas quando chegas da escola para adormecer, antes de dormires e durante a noite. Sempre que queres que a gente te levante, atiras-te para trás – que perigosa! E se te meto na manta de manhã para arranjar as coisas, começas a fazer estalinhos com a língua porque sabes que quando fazes gracinhas vamos logo a correr ter contigo. Meto-te na tua cadeirinha, ao meu lado, enquanto tomo banho e ainda te aguentas uns 5 minutos lá, mas depois ficas rabugenta e começas a atirar os brinquedos todos para o chão, e a olhar para eles lá em baixo. Fazes isso quando estás cansada de estar na cadeira, quando queres apenas um colinho ou quando não te damos aquilo que queres. Conversas muito, tanto, e tentas imitar aquilo que dizemos. Consegues fazer uns sons muito parecidos, e a madrinha até diz que vais falar antes de começares a andar! Já dizes uns "mamamamama", uns "papapapapa", uns "têtêtêtê". Rimos muito as duas, de manhã, quando acordas e eu te digo que faço magia, abro a janela, e é de dia! Como é bom começar o dia com a tua gargalhada só por veres a luz entrar no quarto! Custa-me muito estar tão pouco tempo contigo. Partilhamos a caminha depois do pai ir embora, porque adormeces depois de mamares, e ali ficamos até o despertador tocar. Arranjo-te, enquanto te vou explicando o processo todo - a troca da fralda, a muda da roupa, os cremes, o medicamento para o angioma. Depois arranjamos o meu almoço, o teu leitinho para levares para a escola, as coisas da bomba do leite e lá vamos nós. Gostas de me imitar a carregar nos botões do elevador, de rir para o espelho e de ver os andares a passar. Falo contigo no caminho, que é muito curto. Explico-te que preferia ficar o dia todo contigo, mas que a vida dos crescidos é mesmo assim. E depois é só esperar que o dia passe. As mães vivem cheias de culpas - ouvi isto tantas vezes, e é mesmo verdade. Fico tão, mas tão feliz quando te vou buscar à escola – assim que me vês pelo vidro da porta começas aos gritinhos, aos saltinhos, e ai das educadoras que não te peguem logo no segundo seguinte para vires ao meu colo, que começas numa choradeira sem fim. Assim que estás no meu colo, tudo está bem, e já nem me ligas, preferes ver tudo à tua volta. Chegamos a casa e dormimos juntas uma sesta que pode bem chegar às 3 horas! Se me levanto, tu acordas, então fico ali ao teu lado nem que seja a contemplar-te. Depois, é hora do pai chegar a casa, e basta ouvires a chave na porta para começares a rir e a procurá-lo na direção da porta. Continuas cheia de curiosidade por tudo o que te rodeia, pelo mundo, e a tua cabeça não pára um bocainho (o tio J. diz que um dia partes a mola!). Ainda não gatinhas, não andas e não fazes um sem fim de coisas que estão sempre a perguntar-me. Não faz mal. Temos tempo. Todo o tempo do mundo, espero com muita força. Contigo, é o que eu mais desejo.

Sexta-feira, 15 de Agosto de 2014

.Querido avô...

Fez na quarta-feira 18 anos que morreu um dos homens da minha vida, o meu avô. Digam lá o que disserem, pensem lá o que pensarem, nesse dia senti que o tinha perdido. Tinha 12 anos e levaram-me de casa para a outra avó. Tive direito a uma despedida, dias antes, sem saber. Fiz-lhe duas promessas: que ia cuidar da avó e que ia estudar, porque a loja já não tinha muito futuro. E fiquei com as moedas que tinham caído dos seus bolsos para o chão. Nesse dia, na outra avó, os cães uivaram muito tempo e os galos cantaram à tarde, fez-me ela notar. E isso, por ali, é sinal de morte. Uma das primas do Seixal, da minha idade, que passava férias na avó dela, pôde pela primeira vez dormir fora de casa e passou comigo a noite. Tantas coisas estranhas. Depois, de manhã, os vizinhos que me foram buscar para ir comprar roupa escura, já depois de saber a notícia. E ali estava eu, mais tarde, de negro por dentro e por fora, à espera que levantassem o pano branco naquela que hoje é a casa da tralha dos pais, para me despedir de si. Não me custou olhar. Mais branco, mais vazio, mas o meu avô, já sem dor. Foi ali que percebi que era tudo verdade. Foi a minha primeira morte, a primeira pessoa que me faltou sem ilusões de volta possível. Sofreu mais do que devia, mais do que as pessoas más deviam sofrer, quanto mais o meu avô. Não tenho ilusões aqui também. Sei que não era perfeito, que tinha lá as suas coisas, mas todos temos. E tenho tantas coisas boas na memória, e apenas uma má. O tempo também tem coisas boas. Ainda na primária, quando chegava da escola, a avó fazia sempre ovos estrelados para o nosso lanche. Nesse dia, uma cliente fê-la perder mais tempo na loja, e demorar mais a fazer o nosso lanche. Quando chegou à cozinha, o avô pegou na frigideira já com azeite e atirou-a ao chão - sujou as cortinas novas da cozinha onde comíamos sempre todos, em família. Eu fugi, a chorar, para casa, ele foi atrás e pediu-me desculpa. Fui a única neta que teve a sorte de passar férias com os dois em Sesimbra - e se eu era difícil, por ser muito dada. Dizia-me que eu conhecia uma equipa de futebol diferente todos os dias. Agora vamos para a Curia só com a avó, este ano já com a Aurora, e imagino como gostaria de nos ver a todos - não tanto nos últimos tempos, porque a doença lhe tirava a paciência (mas não o amor). Tive também a sorte de passear com ele por Vendas Novas, onde conseguia chegar de olhos fechados, de comprar peixe e fruta, de conhecer os seus amigos. Participámos uma vez num rallypaper com o vizinho A. Rita e ficámos em último lugar. Encarregou-me a mim de escolher o prémio e pensou, sei lá porquê, que eu ia escolher uma garrafa de bebida. Escolhi uma cabaça com desenhos e ouvi ralhar - mas ainda a tenho! Acho que cumpro as minhas promessas - faço o que posso pela avó, e estudei. Não que isso faça a diferença, avô. O meu emprego, por estes dias, transformou-se em trabalho e irei para lá um bocadinho mais triste. Vão mudar-me de sítio e para onde vou não preciso de nada daquilo que levei anos a aprender. Vou sem reclamar, pois, que nesta fase da vida o ordenado, enquanto vier, é muito bom. Ouvi, durante muito tempo, que era muito parecida a si - sempre que apanhava uma birra! Há já uns bons tempos que não apanho nenhuma, mas gosto de pensar que continuo parecida em qualquer coisa. Agora aprendi a falar no momento e isso deixa-me tão leve que às vezes até me esqueço do motivo que me levou a ficar triste (na vida, no trabalho não dá).A loja, pois, a nossa loja. Oiço há muitos anos que não chega ao final do ano, mas lá vai resistindo. Com os problemas do costume, com os que a crise também trouxe, e com mais alguns ainda. Mas o melhor pão do mundo ainda é nosso. E no dia em que ela fechar morre também um bocadinho meu. E sei que seu também. Lembro-me de ir até ao cemitério de bicicleta e ficar ali a falar e a olhar para a campa até me dar um arrepio por estar ali sozinha. Sítio estranho, o avô sempre o disse. E que não queria estar ali sozinho, mas também não queria estar muito fundo, então a avó comprou a campa do lado e ali anda a limpar a sua, em cima do sítio para onde diz que vai também. E isso arrepia-me sempre. A mim, por favor, não me metam ali. Não quero, como um dia me disse, as 'rapas' a comerem-me os ouvidos. Que me queimem logo de uma vez. Lembro-me dos que me partem todos os dias, mas nestes ainda mais. Quando rezo, é para eles, é para si. Não que ache que Deus seja inacessível, pelo contrário, mas gosto deste gesto com os intermediários que tenho mais perto dele. Não que eu seja uma pessoa má, espero eu. Mas, se já sou pecadora aos olhos da igreja, pelo menos sei que tenho ali quem interceda por mim. Tive saudades suas. Como tenho todos os dias. E pensei nestas coisas, e em tantas mais. Que ainda sei o seu cheiro, que se sentava no chão perto do forno da loja para aquecer, que bebíamos um Compal de pêssego todas as noites, e que tinha por mim um amor sem fim. É verdade que o tempo torna a dor mais pequena, mas ainda faz o coração pequeno e as lágrimas grandes. Porque um amor assim não se esquece, nem quando a ausência atinge a maioridade.
L. às 16:59
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Segunda-feira, 30 de Junho de 2014

.Dores de mãe

Duas crianças morreram na sequência de um acidente numa Moto4. Uma criança morreu num incêndio na Damaia. O filho de uma conhecida jornalista morreu depois de um acidente numa piscina. A televisão no fim de semana a acabar com o meu coração de mãe. Esta noite a Aurora mamou 4 vezes – às 00:00, às 02:30, às 04:30 e às 07:30. Talvez também esteja ansiosa com a ida para o colégio, amanhã, não sei. Eu agradeci. Foi tão bom ter uma desculpa para agarrá-la mais tempo, sentir o seu corpinho quente, o cheirinho bom do cabelo dela, as festinhas que me vai dando com a mão de um lado para o outro. Depois dar-lhe um beijinho na bochecha ainda com leite e voltar a deitá-la, enquanto agradeço, tantas vezes, por tê-la na minha vida e peço que nunca nada de mal lhe aconteça. Sempre fui pessimista e sofri por antecipação, mas agora, desde que fui mãe, tudo me parece muito mais negro (e mais feliz, ao mesmo tempo). Digo aos meus pais que não sei como me deram tanta liberdade, que penso seriamente em fechar a Aurora no quarto para que nada de mal lhe aconteça, mas sei que tenho de aprender a gerir os meus medos, inseguranças, e que ela também terá de ter espaço para viver (e sim, nos quartos também acontecem coisas más, eu sei). Mas este lugar onde agora me encontro, mãe, eu-mãe, faz-me sofrer até pelas dores dos outros. Nos últimos tempos uma série de pessoas à minha volta sofreu mais do que devia num momento da vida que devia ser de extrema felicidade – o parto. Sofreram as mães, os pais, os bebés. Uns já recuperaram, outro não se sabe se ficará com algum problema, outro acabou por falecer. Nesse dia, em que soube desta última história, chorei e agarrei tanto a minha filha. E o Z. ralhou muito comigo, que não posso ser assim. Mas não consigo deixar de questionar o mundo, a vida, tudo o que acontece. Quem sou eu para ter tido a sorte de ter um parto bom, num bom hospital, sem sofrimento para nós nem para ela? O que tenho eu a mais? Porque tenho eu a sorte de ter a minha filha bem nos braços e outros pais não? Que mal fizeram todos os outros pais para que lhes tirem assim os seus filhos? Ainda vou ser penalizada por esta sorte? Ser mãe é viver com o coração fora do corpo, digo eu e todas as mães (menos aquelas que os tentam vender – mais uma notícia que me faz questionar o mundo). E quando esse coração pára de bater, como é que se continua a viver? Espero nunca ter de o saber. Dói tanto, tanto, só de o ver acontecer aos outros. E nunca me esqueço que nós somos os outros dos outros.

Quarta-feira, 25 de Junho de 2014

.7

Ontem chegámos aos 7 meses, tu e nós. 7 meses juntos, 7 meses a ser bebé, filha, 7 meses a ser pais, a ser felizes como não imaginámos antes. 7 meses que passaram a correr. Por outro lado, penso que ainda só passaram 7 meses. E tu já mudaste tanto, e já fizemos tantas coisas boas. Pelo meio, houve coisas más também. Como quando o teu hemangioma ulcerou, choraste toda a noite, acabámos nas urgências para onde voámos contigo ao colo. Nesse dia fui forte, como dizem que as mães têm de ser, e só chorei quando vi outro bebé entrar com falta de ar. Passem os males dos pequenos para nós, por favor! Nenhum bebé/criança do mundo devia sofrer. Foste vista por não sei quantos médicos, e uma coisita que era apenas uma mancha quando nasceste, e que cresceu de mais, continuava a sangrar e, pior, a doer-te. E eu percebi, pela primeira vez, que não te consigo salvar de todos os males. Não deviam as mães poder fazê-lo? Ainda assim, foi um dia cheio de sorte. Porque te trataram bem, se preocuparam contigo, fizeram mais do que deviam para te ver bem. Terminámos o dia num outro hospital, no cardiologista, que deu autorização para que começasses a fazer um tratamento com beta bloqueantes. Uma coisa ainda experimental, que toda a gente nos diz para não termos medo, apesar de te reduzir o ritmo cardíaco, diminuir o açúcar no sangue e teres de o fazer 3 vezes ao dia até, provavelmente, aos 2 anos. Mas ver-te melhorar tão depressa deixa-nos cheios de esperança. Não te ver a sofrer deixa-nos de coração cheio. Sofremos também, os 3, porque não querias pegar no biberão – nem comigo noutra divisão, nem fora de casa, nem em posições ou sítios diferentes, nem com outras pessoas, nem com tetinas de diversas marcas, nem com leite aquecido, descongelado, à temperatura ambiente ou acabado de tirar. Querias, só, mama. Mas a vida não pára e eu tive de regressar ao trabalho. O pai, apesar de ter dito que não ia montar uma tenda à porta do meu estaminé (mamavas de duas em duas horas!), lá cedeu depois de tanto sofrimento – veio contigo todos os dias até mim, à hora de almoço, para mamar. E que bem que me soube, confesso. Só nos últimos dias de licença do pai voltámos a experimentar o biberão, primeiro com água, depois leite, e agora parece que o fizeste desde sempre. Entretanto, e à conta do propanolol, não podias estar 4 horas sem comer, e começámos as papas um bocadinho antes dos 6 meses. No biberão até bebes bem a papa, no prato, à colher, fazes uma birra enorme, assim como fazes com a sopa e com a fruta. Por ti, vivias bem só com leite. Na próxima semana já vais para o colégio e, se o meu coração fica pequenino só por pensar nisso, espero que esta seja uma das coisas em que elas te façam mudar. Não estamos lá nós, terás de comer de qualquer maneira, espero. Agora, também já pegas na chupeta. O pai experimentou numa das tuas birras, e ficaram grandes amigas. Até já consegues adormecer sozinha na tua caminha, desde que a tenhas (ainda no nosso quarto, que ainda não tive coragem de te mudar). Não é uma paixão avassaladora, porque passados uns minutos acabas por deitá-la fora, mas adoras ficar a ‘mordê-la’, como fazes com tudo o que apanhas. Agora, desde que começaste as sopas, temos um novo amigo lá em casa, o Bebegel. Tu, que sujavas quase todas as fraldas e mesmo as roupas, deixaste, pura e simplesmente, de conseguir fazer cocó sozinha. E sofres mesmo com isso. Mesmo com estes pequenos problemas (pequeninos mesmo, quando comparados com outros), é tão bom. Sou tão feliz por ser tua mãe. E sei que também és feliz, consigo vê-lo. E há quem o note e o diga. Penso que não é dos meus olhos, mas és linda. E não consigo deixar de sorrir quando as pessoas mo dizem – como a senhora no Campo Pequeno que me dizia: “você já viu bem os olhos da sua filha?”, e eu preocupada se tinhas alguma coisa, mas não, queria só dizer que “tinhas os olhos mais bonitos que eu já vi”. As rotinas vão mudando, e nós vamo-nos adaptando. Depois da licença do pai estive eu de férias. Comigo detestas comer, fechas a boca com toda a força e ali não entra nada. Se despachas a mama em 5 minutos, e ela até está à tua frente, porque hei-de estar uma hora a dar-te sopa? Depois terminaram as minhas férias e voltou o pai. E como és feliz com ele. Só de ouvires a voz ficas em êxtase, dás pulinhos e ris muito. Para mim só há sorrisos grandes quando chego a casa, depois passa. Continuas a mamar de noite, por volta das 4, e eu adoro. Ouvir-te a resmungar, pegar-te ao colo, meter-te na nossa cama, aninhar-te a mim e ficar ali a dar-te beijinhos enquanto mamas. Depois, antes de sair às 08:00, volto a fazer o mesmo – já passámos por várias fases: primeiro dava-te o medicamento, trocava a fralda e voltava a adormecer-te com a maminha; agora dou-te mama a dormir e o medicamento logo de seguida, muitas vezes sem que acordes. E ali ficas, deitadinha com o pai, até quase às 11:00, para comeres a sopa logo de seguida. Exiges muita atenção, ris-te muito para toda a gente, e continuas a preferir os homens. Conversas muito, tanto! Usas o 'dá' e o 'cá' quando estás feliz, e o 'tátátá' para reclamar. Ainda não tens dentes, nem gatinhas, mas quando estás de costas consegues percorrer tudo só a fazer força nos pés e a levantar o rabo, e viras-te para todo o lado. Já consegues ligar a luz do fraldário, tens só de te esticar muito. Como gostas de a ver! No centro de saúde acham que aumentas mais de peso do que de comprimento, mas a pediatra diz que estás bem e a roupa vai deixando de servir - nas tuas perninhas gordinhas e rabo de família já só servem calças para 9 meses. Continuas a gostar de banho e a fazer birra no momento dos cremes e do vestir. E adoras fazer um xixi na toalha logo que sais da banheira. Já foste à praia e detestaste tudo: a areia, a água, o sol. Tenho esperança que isso mude. Só isso. Apesar de saber que tudo muda, e que para a semana temos uma nova etapa, e tudo mudará muito mais do que até aqui. Queria dizer “não faz mal”, mas não consigo. Faz mal, faz pois. Gosto disto que temos. Custa-me não ver tantas primeiras coisas que irás fazer. Custa-me deixar-te ali e não passar mais tempo contigo. Mas posso prometer-te que vou estar a contar todos os minutos para chegar ao pé de ti, abraçar-te com toda a força, dar-te um beijinho no teu arrepio, outro na bochecha, e esperar pelo teu sorriso de volta, enquanto sinto os teus braços à minha volta e me arrancas mais um cabelo. Como já faço todos os dias desde que sou tua mãe. Já te disse que sou feliz contigo todos os dias? Sou, pois.

 

(Aqui, ao colo de uma das pessoas preferidas, o tio J.)

Segunda-feira, 24 de Março de 2014

.4 meses

Continuas a não querer chupeta. Mas já te aguentas na espreguiçadeira mais uns minutos, e até já ligas a alguns brinquedos. Esfregas os olhos quando tens sono, odeias soluços e ficas a rir quando espirras. Já sorris muito, com vontade, e conversas ainda mais. Já conseguiste dar a volta uma vez, na cama, e aguentas tão bem a tua cabecita no ar. Apanhas muitas birras, principalmente de sono ou porque não andamos a passear contigo ao colo, mas já vamos sabendo como acalmar-te. Levas tudo o que consegues para a boca, principalmente as mãos, mas só para lamber. O teu botão de fala fica no queixo, basta tocarmos lá para ficares na conversa. Já dormes na cama de grades, que era da madrinha, porque agora dormes à Cristo Rei, de braços abertos, e magoavas-te na alcofa. Não consegues mamar em sítios novos porque és muito curiosa e tens de observar tudo primeiro. A tua falta de cabelo atrás não se limita a um bocadinho, mas a uma faixa, por quereres ver tudo e não paráres quieta com a cabeça. O teu arrepio é cada vez mais difícil de pentear. E eu já começo a sofrer. Daqui a um mês regresso ao trabalho, onde ainda nem sei como vão ser as coisas, mas nem é por isso. Assusta-me tanto ficar longe de ti. Vais ficar com o pai durante esse primeiro mês, e depois fico eu de férias, depois fica o pai. Só vais para o colégio aos 7 meses, mas percebo que é nessa altura que começo a perder-te para o mundo. Para além de todos os desafios - da amamentação, da gestão de tempo, das saudades, ..., percebo que nunca mais vamos ter um tempo assim, só nosso, sem horas nem limites. A partir de agora, só os fins-de-semana, que passam a correr, e as férias, sempre tão bem contadas. Dizem-me que o melhor está para vir, quando andares, quando falares. Mas eu gosto tanto disto assim, não podemos parar o tempo um bocadinho aqui? Sempre disse que, ainda que me saísse dinheiro, gostava de continuar a trabalhar, porque gosto de fazê-lo. Esse risco não corro, porque não jogo, mas chegaste tu, e mostraste-me que é tão melhor estar contigo. Assusta-me perder uma das tuas descobertas, um dos teus momentos importantes, não estar aqui para ti. Mas dizem que a vida é mesmo assim. E, afinal, o que sei eu de tudo isto? Ainda 'só' passaram 4 meses.

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