Segunda-feira, 3 de Fevereiro de 2014

.Nas nossas mãos

Sou um bocadinho pessimista e sofro muito por antecipação. E, infelizmente, isto não se muda - eu, pelo menos, não consigo mudar, faz parte de mim. Por curiosidade, no outro dia estivemos a ler as características do signo da rapariga, e fiquei logo triste só por dizerem que ela vai ganhar asas cedo e passar meses sem ligar aos pais. Se tudo correr bem, temos uma vida pela frente, e também está nas nossas mãos, espero, fazer com que seja diferente. Mas eu sou assim, e as hormonas também não ajudam nada, e lá fiquei deprimida. Sou pessimista e sofro por antecipação, pois é, mas depois, no fundo, sou como todas as outras pessoas - acredito, ou quero muito acreditar, que há coisas que só acontecem aos outros e que nunca nos hão-de tocar a nós. Depois vem aquela coisa a que chamamos vida e prega-nos rasteiras, e devíamos aprender qualquer coisa com elas, mas isso nem sempre acontece. Desde que sou mãe tudo me toca muito mais profundamente - um episódio de uma série com um bebé abandonado dá para quase uma hora de choro, fotos de crianças subnutridas ou doentes acabam comigo, notícias de crianças desaparecidas, mortas e outras coisas más deixam-me sem vontade de viver neste mundo. Mas depois olho para a minha pequenita, para a minha família, e fico cheia de vontade de viver, de fazer coisas, de mudar tudo aquilo que estiver ao meu alcance. Sim, porque se há coisas que não estão nas nossas mãos e temos de aceitá-las como chegam até nós, outras dependem apenas da nossa vontade, da nossa coragem, de nós. E era sobre uma destas coisas que eu queria escrever hoje - uma para a qual todos nós podemos contribuir. O Vitor faz parte da minha vida há pouco tempo, mas tem um papel fundamental. É ele que ilumina o coração e alimenta o sorriso, como ninguém conseguiu alguma vez fazer, de uma das pessoas da minha vida, a Tania. O Vitor está doente e, infelizmente, pode ficar ainda mais. A parte boa desta história, sem contar com o amor todo que eles sentem, é que nós podemos contribuir para a saúde e felicidade do Vitor. Como? Fazendo com que seja possível ele viajar até à Alemanha para fazer o tratamento adequado ao tumor dele. Menos um pastel de nata, um café, uma cerveja nas nossas vidas, pode ser mais um euro de esperança para o Vitor. E não deixa de ser também uma dose de esperança para todos nós - quantas vezes podemos dizer que está nas nossas mãos mudar o mundo de alguém? A verdade é que as coisas más não acontecem só aos outros - acontecem aos nossos, acontecem-nos a nós. E quando esse dia chegar vamos querer que nos ajudem também, que mudem o nosso mundo também. Que reencaminhem o nosso pedido de ajuda, que partilhem o nosso apelo, que contribuam com um cêntimo que seja. Acredito que a vida compensa as boas acções. Vamos fazer uma já hoje?
Está tudo aqui: https://www.facebook.com/avitoria.dovitor
L. às 12:24
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Quinta-feira, 20 de Junho de 2013

.Das reclamações

Nunca fui uma rapariga de reclamações, em toda a minha vida devo ter feito duas – e até contei a história por aqui. Tantas vezes guardo para mim aquilo que penso que se tornou um hábito, uma forma de ser. Outras vezes resolvo falar e corre mal, como ontem (que raio de semana esta!), mas hoje tenho uma história com um final semi-feliz. Quando soube que estava grávida lembrei-me que ainda não me tinha mudado para o centro de saúde do sítio onde moro agora. Estava registada na terrinha e por lá continuei, apesar de ter mudado todas as outras coisas. Mandei email para as duas unidades de saúde locais e recebi um telefonema de volta, das duas, que lamentavam muito mas não aceitavam inscrições há quatro anos, nem naquela modalidade de ficar sem médico associado. Passei-me, nem queria acreditar. E as hormonas aos saltos, e o sangue que aumenta de volume a ferver, e saiu uma reclamação. Ministério da Saúde, Unidades de Saúde, Direção Geral de Saúde, não sei quê de Saúde de Lisboa e de Sintra. Passados uns dias recebi um telefonema de uma das Unidades. Que não sabiam bem o que se passava, mas que tinham ordem do Diretor para me ligar e pedir os meus documentos para procederem à inscrição. Fui lá a primeira vez – e o pai da criança, não se quer registar? Quer pois, voltei lá uma segunda vez com os documentos dos dois – vê aquela pilha? Estão todos à sua frente, vai ter de esperar. E o curso de gravidez? Gostava de frequentar, aqui é gratuito – pois menina, nasce a criança e você ainda não está inscrita, vá onde está registada. Ai é no Alentejo? A 100km? Pois, não sei, vá ver nas terras vizinhas. Passei-me de vez. Não queria passar à frente de ninguém, queria que todas aquelas pessoas estivessem inscritas. Isto faz sentido? Vivemos num país, de acordo com as leis e regras que nos impõem, pagamos impostos, todos os impostos, e não temos direito a aceder a cuidados de saúde / médicos no local de residência? Felizmente, tenho possibilidade de pagar um seguro de saúde e estava já a ser acompanhada num hospital privado, e quem não pode fazê-lo? Quantas daquelas pessoas não o podem fazer? Saiu nova reclamação, um bocadinho mais agressiva sem ser mal-educada, que também já respondi a algumas no trabalho e sei como é mau. E fui fazendo a minha vida. Hoje recebi um telefonema de uma das Unidades de Saúde. Que não só estou inscrita como até tenho médica de família. Queriam confirmar se deviam mudar todo o meu agregado familiar comigo – os meus pais e a minha irmã. De repente, surgiram quatro vagas, com médico e tudo, e passei à frente de uma longa lista de gente. E devia estar feliz, pois devia, mas não deixo de estar preocupada com os que não pensaram nisso ou não têm possibilidade de se fazer ouvir. Eu não sou ninguém neste país, nesta terra, nem no meu prédio (apesar de ser gestora de condomínio nem sequer posso mandar pintar o prédio porque não há dinheiro), e vá lá na minha casa ter um poder de voto de 50%. Mas reclamei e deu resultado. Vamos começar todos a fazer o mesmo? 

L. às 15:48
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Quinta-feira, 27 de Outubro de 2011

.Castigo

Sou uma má paciente. Mesmo. Vou ao médico quando é preciso e quase por obrigação. Gosto de coisas com efeito rápido e que não me obriguem a muito trabalho. É por isso que fico tão feliz, mesmo com menos 100€, quando vou secar os derrames ao Dr. Serra Brandão, mas depois me esqueço de tomar o Daflon todos os dias como ele me manda. Os feios já saíram, deve pensar o meu cérebro, quando aparecerem mais logo havemos de lá ir outra vez. Tomar medicamentos para que não apareçam? Dá muito trabalho. A minha dermatologista, que é uma das pessoas de quem eu mais gosto e que me conhece desde os 12 anos, é uma santa. Já me tirou as verrugas da cara com laser, acabou com as minhas borbulhas, e salva-me sempre de qualquer aflição com esta minha pele estranha que até a cintos com metal ou havaianas molhadas faz alergia. E mesmo assim eu não faço tudo o que ela me manda. Vou à consulta, compro tudo o que me receita, leio as bulas, e acho que só isso me põe logo boa - acho que nisto saio à minha avó T., só por termos as coisas no armário ficamos bem. Quanto às idas ao ginecologista, sou ainda pior. Feitas as contas, não ia lá há dois anos e meio. Pelo meio, portei-me mesmo mal. Auto-mediquei-me, levei apenas duas doses da vacina do cancro do colo do útero e deixei passar o prazo da terceira (e já não posso voltar atrás), entre outras coisas do género. Por estes dias achei que seria melhor marcar uma consulta, até porque o Verão não foi meiguinho: uma candidíase e uma infecção urinária. A médica que me atendeu a última vez já só tinha consulta para o próximo ano, então resolvi ir à que tinha vaga mais depressa. E não correu bem. Que idade tem? Hum. E já com este estado civil? Está certo? Que aconteceu? Nos primeiros instantes ainda pensei que me tinha enganado e me tinham mandado para uma psicóloga. Foi só quando mudou bruscamente de tema que percebi que estava no consultório certo. Não sorriu e foi dura. Sabia que tem uma ferida bastante acentuada no colo do útero? Pois, não deve saber porque não vem a uma consulta há muito tempo. Vai pôr durante oito dias estes óvulos e regressa cá daqui a um mês. E eu pensei que o pior de tudo seria ter de regressar lá. E que desta vez tinha mesmo de colocar (o Z. diz que quem ‘põe’ são as galinhas) os óvulos todos até ao fim. Mas não. Para além das dores e da impressão da citologia, que ainda duram (sou mariquinhas, pois sou), ninguém consegue perceber o que foi que ela me receitou. Ontem estive uma hora inteirinha na farmácia. Tinha ido lá de véspera e o rapaz mandou vir aquilo que percebeu, ontem eu e a colega percebemos que ele tinha encomendado um estimulante sexual (Feminine). Pesquisámos no Google, no Infarmed, ligámos para armazéns, e para o hospital, mas a médica só regressa a 7 de Novembro, e não conseguimos detectar o que seja. Lembro-me dela dizer que era uma coisa nova, e que existia em óvulos e em comprimidos, o nome não fixei. Até podia justificar com letra de médico, mas a dela nem é das piores. E pronto, castigo dos castigos, agora preciso mesmo de um medicamento, uma coisa que começa por 'Fe' ou 'Flu' e tem três 'i', e nem consigo saber o que é - nem eu nem ninguém. Verdade das verdades, eu já merecia uma lição destas. Castigo.

 

Há alguém que consiga decifrar? Obrigada.

 

Sexta-feira, 14 de Outubro de 2011

.Hoje (nestes dias)

L. não saias de casa com a cabeça molhada. L. sai do sol que faz tão mal. L. assim ficas doente. L. … E uma vez mais, entre tantas recomendações, a mãe tinha razão. Dei por mim doente logo no início da semana. A noite de segunda para terça foi passada de olhos abertos, com a febre a fazer-me alternar entre frio de bater os dentes e calor de ananases, e com o meu estômago a recusar tudo o que eu lhe oferecia. Foi assim que passei o dia de terça também, com umas olheiras de todo o tamanho, com o corpo a não deixar o sono levar a melhor, deitada sem me mexer muito. Queria dormir e as preocupações, e a doença, e o mau estar, a tomarem conta de mim. As cores, os materiais, o dinheiro, as contas, os planos por organizar não me saíam da cabeça. Gosto de ter tudo organizado. Tenho um documento desde 2007 com todos os meus movimentos bancários registados, com a descrição de todas as despesas, com todos os gastos anotados. As tarefas têm outro documento só para elas e todo o santo dia o meu telemóvel toca com lembretes do género “estender a roupa”. Gosto da minha vida organizada. Não gosto de surpresas.O simples facto de não saber para que data marcar uma mudança, que despesas vou ter no mês seguinte, se vou perder ou não todas as minhas poupanças com uma venda que já se atrasa há um ano, estão a tirar-me o sono e o sorriso. Ontem, para compensar todas estas preocupações e outras tantas que não são para aqui chamadas (L., não devias partilhar toda a tua vida naquela página), quis gelado de chocolate belga da Häagen-Dazs, o meu preferido. Tive uma vontade tão, mas tão grande que lá abdiquei dos 6€ a bem da minha satisfação momentânea (L. não sejas assim forreta – só a roupa é que te faz gastar dinheiro). E ainda bem, ou hoje não teria como afogar as mágoas ao ler as notícias sobre o que aí vem – já sei que esta coisa de não ser funcionária pública para umas coisas mas ser para outras, as más, me apanhou agora em força. A modos que ando assim. Com apertos e dores estranhas. Com insónias e preocupações. A tentar dar lugar às boas notícias, que também as houve. E à espera. De chegar ao meu sofá para devorar o que sobrou do meu gelado, do fim-de-semana inteirinho com os pais, que outros tomem finalmente decisões, que as obras comecem para começar também mais uma mudança, que tanta coisa aconteça para que me possa organizar então. À espera de outros dias, de outras coisas (melhores). O hoje, destes dias, não me chega. Porque estou assim, nesta indefinição. Fora de combate, como na música que me aquece por estes dias. Hoje (nestes dias) não me recomendo.*

 

“Não queiras saber de mim

Esta noite não estou cá

Quando a tristeza bate

Pior do que eu não há

Fico fora de combate

Como se chegasse ao fim

Fico abaixo do tapete

Afundado no serrim

 

Não queiras saber de mim

Porque eu estou que não me entendo

Dança tu que eu fico assim

Hoje não me recomendo

 

(…)

 

Amanhã eu sei já passa

Mas agora estou assim

Hoje perdi toda a graça

Não queiras saber de mim”

 

*Não fiques triste com este post. Sabes bem quais foram as partes boas destes dias. E estavas em todas. Nas más também.

L. às 12:45
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Quarta-feira, 14 de Setembro de 2011

.Contrastes

Ontem foi dia de voltar ao dentista. Contas feitas, tirei o aparelho há oito anos e há mais de dez que pisei aquele consultório pela primeira vez. Acordei cedo para poder ir de comboio, um dos meus pequenos prazeres. De iPod nos ouvidos até entrar na carruagem, e a alternar entre “A vida secreta das abelhas”, da biblioteca de Oeiras, e as vidas que iam ocupando os bancos à minha volta, segui até Entrecampos. Voltei a pôr o iPod e comecei a andar para o fundo – as torres cor-de-rosa eram já ali e a consulta era só às 10:30 – talvez me atendessem mais cedo, pensei. Foi quando vi um casal de velhotes a correr para o comboio, que já tinha fechado as portas e começava a andar nesse instante. Ele ia mais à frente, ela tentava apanhar os dois. Olhei para eles, para os ténis branquinhos nos pés dele – como aqueles que oferecemos nos anos ao avô há tanto tempo e que ele continua a usar como se fossem a coisa mais preciosa deste mundo, e não pude deixar de ver ali, neles, os meus avós. Deu-me tanta pena vê-los assim, a correr, a bater com a mão na porta sem que isso travasse o comboio, que comecei a chorar ali mesmo, enquanto andava. Não sei explicar bem porquê, só senti o coração apertado, e chorei. Chorei por eles. Chorei por mim. Pelos medos, inseguranças, dores, e pelo que o tempo faz. Chorei pelo pai, por vê-lo de muletas, por não lhe poder dar aquilo que merece. Chorei pela mãe, por não poder ajudar a transformar mesmo os sonhos mais pequeninos em realidade. Chorei pela mana, pelas doenças, doencinhas e doencitas que a incomodam sempre. Pelo trabalho que começa agora a procurar, pelo mestrado onde quer entrar. Chorei pela avó T., a ser operada ao olho naquele momento. Pela avó A., com medo que os maus entrem pela casa adentro sempre que está sozinha. Pelo avô Al., ao imaginá-lo orgulhoso no palco a acompanhar as cantadeiras com a gaita-de-beiços. Pelo avô X., que já não está connosco. Chorei pelo actor de Spartacus, que morreu esta semana com a doença do Tuto (chorei por ele também), a mesma que, com a quimioterapia, enfraquece a Ce. de dia para dia. Chorei pelo sr. J.P., a quem o coração quase trocou as voltas e pela Cr., que sofre por isso. Chorei pelo Z., enquanto o imaginava em outros braços a dançar a música que estava a ouvir no momento da mesma forma que o faz comigo. Chorei pela Lily, heroína do livro guardado na mala, que acabava de encontrar May sem vida. Dei por mim a chorar por este mundo e pelo outro, por mim e por todos os outros. Talvez fossem lágrimas acumuladas em tantos dias, que precisavam apenas da mínima faísca para saírem para fora. E o dique rebentou, ali na plataforma de Entrecampos, ao ver o desalento de dois velhotes que acabavam de perder o comboio. Continuei a andar, aumentei o som e esperei que as lágrimas secassem. Só vejo o meu dentista preferido uma vez por ano, não ia receber o “cara linda, cá estás tu outra vez” lavada em lágrimas. Esperei na sala por pouco tempo e entrei para uma repetição destes últimos anos. “Cara linda, cá estás tu outra vez. Sorri. Abre. Fecha. Trinca. Que curso tiraste tu? Jornalismo? Como é que foste para isso? E onde estás agora? Ah, pois é, já não me lembrava. Continuas perfeita, com um sorriso perfeito. Flúor de limão, mentol ou morango? Volta cá daqui a um ano. Gosto em ver-te, cara linda”. E eu saí com o meu melhor sorriso, sem pensar que o mesmo discurso estava já a ser repetido à menina que entrava. Olhei para as horas, 10:37. Corri até ao Campo Pequeno para comprar uma massinha para o almoço e cheguei à plataforma ao mesmo tempo que o comboio – 10:57. Corri, entrei sem saber bem como, percebi que não tinha validado o bilhete, voltei a sair e a entrar e foi quase por milagre que segui viagem. Ou não. Estava tão absorvida na leitura que nem dei conta das pessoas que iam entrando e saindo, nem dos meus companheiros de viagem. Foi só quando a minha paragem se aproximou, e me encaminhei para a porta, que os vi. Não eram os mesmos da manhã, era outro casal de velhotes. Tinham tantos, mas tantos sacos, que não consegui imaginar como tinham chegado até ali. Duas malas térmicas grandes, um saco daqueles enormes de supermercado cheio, e dois carrinhos de compras, um deles bem grande. Tirei os fones, arrumei tudo na mala e fui ter com eles, posso ajudar a levar os sacos? Que sim, que podia, muita obrigada, que talvez o elevador estivesse a funcionar e aí seria mais fácil. Levei-os até lá, e tentei certificar-me de que não precisavam mais de ajuda. Foram tão convincentes que acreditei que alguém estaria lá em baixo à espera deles. Foi só quando desci as escadas e me dirigia para a saída que os voltei a ver, sozinhos, a tentar equilibrar tudo aquilo. Fui a correr, deixe-me ajudá-la, para onde vão? “Deus lhe pague, para o táxi”, dizia-me. Agarrei em dois dos sacos e senti mais uma vez o peso de tudo aquilo – muito mais do que o que estava lá dentro. Isto é muito pesado para si. E ela agarrou-me o braço, que as dores mal a deixavam caminhar, que já tinha caído desamparada no Areeiro e o joelho, negro, aumentava de tamanho e impedia-a de continuar. Ajudei-os a entrar no táxi, com um condutor nada simpático. Ainda ousei pedir-lhe para os ajudar a descarregar tudo o que traziam de outras hortas quando chegassem ao destino, mas o ar dele de espanto não me deixou mais descansada. Acho que ainda nem me tinha despedido deles e já as lágrimas tinham voltado a cair. Pelo peso dos sacos, pelo joelho dorido, pela falta de alguém à espera deles. Por tudo e por nada, pelos males do meu mundo e do mundo dos outros. Segui para o carro, à espera para me levar até ao trabalho, debaixo de um sol que sufocava tanto quanto as lágrimas. Pensei em como estes dias têm sido de contrastes. Passei o domingo na praia, com o Z. e os pais, e não parámos de rir. Das piadas, da cesta da comida, do bronzeado manchado que apanharam os três. À noite, enquanto comíamos choco frito em Setúbal, fomos atacados por uma vaga de mosquitos que nos fez chorar a rir. Ficámos todos picados, mesmo depois de termos morto uns 20. Eu matei três só na testa do pai, o pai batia no Z., a mãe em mim e até derrubei um copo de coca-cola em cima de mim ao tentar acabar com um que me picava o braço. Mal conseguimos comer, entre picadas e gargalhadas, enquanto víamos as outras mesas também neste estranho ritual de agressão aos companheiros de refeição. E ali estava eu, depois de tanto riso, numa crise de choro pela segunda vez no mesmo dia.

Depois de sair do trabalho voltei a Lisboa de comboio. O Z., o Di. e a Ta. esperavam-me para um jantar no Lucca. E aí voltei a rir, muito. A celebrar a amizade, o amor, as coisas boas que a vida também me vai trazendo, regados a chá de jasmim com limão e canela. Liguei aos pais e aos avós, a tentar sossegar o temporal que me tinha apanhado durante o dia, e ainda ajudei a mana a fazer a carta de motivação para se candidatar ao mestrado antes de cair na cama. Adormeci a tentar equilibrar as emoções do dia, a tentar conciliar tantos contrastes. E, tenho a certeza – talvez por não ter mais lágrimas para gastar -, com um sorriso. Aquele que o meu dentista diz que é perfeito.

Quinta-feira, 1 de Setembro de 2011

.Considerações II

.Gosto do ritual das visitas aos doentes que ainda se mantém em terrinhas como a minha. O meu pai foi operado ao joelho há uns dias atrás, e lá vão chegando a casa pessoas para saber como está, para lhe fazer companhia um bocadinho ou só para dizer um olá. No domingo, depois de chegar da Curia, fui eu que abri a porta a uma dessas visitas. Era o senhor Ca., com nome e sorriso de galã, a quem ninguém dá 82 anos, e que chegou até ali no seu próprio carro. Enquanto bebiam uma qualquer bebida doce no sofá, lá foi intervalando as novidades do dia com as histórias de outros tempos, aqueles em que não havia cigana bonita que lhe escapasse, mesmo depois de comprometido. Gosto dele, do sorriso de dentes bonitos que às vezes esconde com a boina enquanto me diz “ai mana, naqueles tempos…”. Prometeu que nos levava pêssego ratinho com vinho branco, feito por ele, para provar um dia destes. Eu, como faço sempre que apanho assim alguém com tantas histórias, lá o ia espremendo, e perguntando coisas a que ele ía respondendo com o sorriso maroto que arrebatava as ciganas. Quase no final da conversa, numa pergunta minha mais matreira, a minha mãe avisou-o logo, “olhe que amanhã isso já está tudo no blog”. E teria sido assim, noutros tempos, que por estes ando 'desinspirada' para a escrita.

 

.O Jo. é meu amigo desde sempre. Das conversas, das saídas à noite, dos encontros da catequese, das festas, das mensagens, das danças, de tantas coisas. E sempre foi o meu amigo com maior sensibilidade para o mundo, para as artes, para as ideias, para as coisas. Da cabeça dele saíram coisas que ninguém imagina: festas, programas, roupas, prendas, eu sei lá. Até pode parecer que só está parado a olhar para qualquer lado, mas, nesse momento, está a magicar alguma – sempre em grande. Foi com alguma surpresa que me disseram que tinha, quase nos 40 anos de idade, levado um namorado à nossa terrinha. Surpresa só por isto: considero-me amiga à séria, e não percebi porque nunca se sentiu à vontade para nos (ao nosso grupo) contar. O Jo. encontrou uma barreira na família, em alguns amigos, na terra, e em tantos grupos que apoiou, e deixou tudo para trás – as festas, a Igreja, algumas pessoas. Eu, como fiz questão de lhe dizer assim que soube, fiquei feliz, tão feliz. Sei que quando gostamos de alguém queremos ter essa pessoa ao nosso lado em tudo, e deve ser difícil, tão difícil, não nos sentirmos com força para misturar o trinómio amor-família-amigos. O Jo. viveu quase sempre para os outros, e só vivia para ele aos bocadinhos. Fiquei tão contente por saber que o Au. o fez ganhar a coragem de contar ao mundo a verdade sobre quem lhe faz bater o coração. O amor torna-nos melhores ou piores pessoas, mais ou menos felizes, mas não define quem somos – somos sempre a mesma coisa. O Jo. não é diferente – de ninguém, nem do que foi até agora. E é por isso que tenho pena. Não pelo Jo., mas por todas as pessoas que lhe viraram as costas neste momento: não percebem que perderam o Jo., e pessoas como ele são especiais e raras. Eu tenho a sorte de ter o Jo. como amigo desde sempre. E só quero que assim continue. O que temos. E como ele está – feliz.

 

.Já falei sobre isto por aqui, mas a Bimby torna-me uma pessoa mais feliz – e quase pareço fútil ao dizê-lo. A nova descoberta lá de casa faz maravilhas à alma e não deixa peso na consciência: uma caixa de frutos vermelhos congelados, um iogurte natural açucarado acabado de sair do frigorífico e um minuto na velocidade 7. Se me dissessem que era um Santini nem desconfiava… Continuo sem receber qualquer comissão.

Sexta-feira, 15 de Julho de 2011

.Batalha

No outro dia, enquanto via uma das séries que me fazem reservar o sofá com antecedência, ouvi um dos personagens dizer que os erros de hoje são a solução de amanhã. Dei-lhe mais ou menos razão. Às vezes irrita-me ouvir “tudo acontece por uma razão”, “pelo menos aprendemos”, “alguma coisa podemos tirar daqui”. Mas ontem, enquanto lia a mensagem que a Ce. mandou onde explicava, com a força que vão sempre buscar não sei onde ou como, que os caroços estranhos que lhe apareceram no corpo têm o mesmo nome da doença que o Tuto teve, foi nessas frases que pensei. Espero que os erros que levaram o Tuto de nós se tornem na solução para a Ce. e para todos os que enfrentam o papão-linfoma. E depois tremi e chorei sozinha, como no dia em que ela me explicou os sintomas que reconheci tão bem, porque agora isso não interessa para nada. As lágrimas acabaram. A partir de hoje é só força, amor, amizade e sorrisos (como sempre). E contra todas estas armas não há-de haver papão-linfoma que resista. A batalha começou, mais uma vez. Mas desta vamos levar a melhor.

Domingo, 26 de Junho de 2011

.Bimbólica

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gosto quase tanto de cozinhar como de comer. Se estou chateada o melhor é mandarem-me para a cozinha. Gosto de arranjar tudo antes como se se tratasse de uma verdadeira aula de cozinha. Gosto de misturar ingredientes, de experimentar coisas novas. Fico ali, ao lado do fogão ou do forno, quase do início ao fim, a ver as minhas criações a ganhar vida. A Bimby, a nova aquisição cá de casa, veio ajudar. E se sou eu que chego a casa com preguiça de a ligar, é o Z. que já está agarrado a ela a fazer um sumo de fruta. Fazemos pão, iogurtes, molhos, gelados, devoramos os livros e vamos inventando também. Na semana passada participámos num curso de cozinha da Bimby e levámos a R., que também comprou uma e que nos fez ganhar a caixinha azul de receitas que queríamos. Estivemos lá das 18:30 às 21:30, a ver e a provar tudo o que iam preparando. No final iam sortear duas prendas, a partir das fichas que preenchemos com a nossa informação. Ouvi “L.” logo na primeira ficha sorteada, e senti o Z. e a R. a darem-me cotoveladas. Mas, ainda que não conheça muitas pessoas com o meu nome, sei que há mais ‘Marias na terra’, e não gosto de me entusiasmar muito. A única vez em que me saiu qualquer coisa foi numa festa do rancho lá da terrinha. Sorteavam uma mesa de sala e fui eu, com uns 10 anos, que vendi todas as rifas e fui chamada ao palco para tirar a sorteada do saco. E li, lá em cima, com alguma vergonha, o meu nome – ainda hoje deve haver quem pense que escrevi o meu nome em todas as rifas. Os meus pais voltaram a oferecer a mesa ao rancho e só voltei a pensar nisto quando percebi que tinha sido mesmo eu a feliz contemplada com a mala de transporte da Bimby. “L. P.”, repetiram. Era mesmo eu. Pela segunda vez na vida, em quase quase 27 anos, saiu-me qualquer coisa, e foi com a Bimby. Os meus pais brincam com o meu (nosso) entusiasmo, e dizem-me que quase estou preparada para vendê-las também – as descrições pormenorizadas das receitas, dos passos, das vantagens, arrancam umas gargalhadas a quem está connosco. Mas para isso é preciso jeito, coisa que não tenho. Tem a T.. Que vai a nossa casa, sem compromisso, prepara-nos um jantar espectacular para seis pessoas, e vai vendo as nossas bocas abertas com tudo o que a Bimby vai fazendo. E por aí, não há ninguém interessado em conhecer…? Não precisam de se tornar Bimbólicos como nós, basta ver. Mas deixo um conselho: cuidado, que é contagioso.

 

 

Além de Bimbólica, ando também Hospitólica, ou Doentólica. No último mês houve candidíases, infecções urinárias, queimaduras, constipações, más reacções a antibióticos, e a terminar, por enquanto, lesão muscular. Ontem, mais uma ida aos Lusíadas. Raio-X aos pulmões para despistar uma pneumonia e uma injecção para conseguir voltar a mexer-me. A menos de duas semanas dos 27, é a velhice a apoderar-se de mim.

Lá fora: "Vamos esquecer?"
Terça-feira, 29 de Março de 2011

.Os meus dentes

Os meus dentes são uma coisa realmente estranha. Foram afectados pelos antibióticos que o meu corpo pedia todos os meses até me tirarem as amígdalas, aos 6 anos. Quando caíram os de leite houve más surpresas – um não nasceu e outro era muito pequenino. Na altura ainda não ligava muito à aparência, e só o meu maxilar, que fazia barulhos e se deslocava por tudo, me obrigou a usar aparelho. Foi bom, muito bom. Ali nos 18, boa vida. Resolveram aumentar um, tirar outro de baixo, e pôr aparelho para aconchegar tudo. Antes ainda tive de desvitalizar um dente, que, no ano passado, resolveu tornar-se escuro-estranho. E eu, que gostava tanto dos meus dentes ‘novos’, moderei uma das coisas que mais gosto em mim, o sorriso. Na entrada do ano novo decidi apenas uma coisa – não quis entrar em profundidades, ia pôr uma coroa. No dentista explicaram-me que o melhor seria um implante. Na passada terça chegou o grande dia. Apanhei uma boleia até ao Terreiro do Paço e decidi ir a pé até ao Marquês. Estava um sol perfeito, dos que aquecem por dentro e por fora, e achei que era o dia certo para provar um gelado Santini – no dia da despedida do meu dente escuro-estranho. Saboreei as minhas bolas de avelã e de chocolate sentada nuns degraus na rua, enquanto ouvia Gaivota pela voz da Amália, que saía da carrinha verde, quando um turista se sentou ao meu lado e me mostrou a máquina fotográfica. E lá estava eu, com o ar mais L. que alguma vez vi numa foto minha. Tinha um sorriso desnorteado, o ar que, sei, meto quando faço ou vejo coisas que gosto. E estava a fazer três: a comer, a ouvir música, a ver pessoas. “Pretty girl”, dizia ele, e eu sorri (com o meu dente escuro-estranho). Agradeci, sem muitas palavras, e segui viagem, debaixo do sol. O Dr. Celso foi ‘legau’, tirou-me um dente sem o arrancar e sem ter uma única dor – desbastou-o, coisa que eu nem sabia ser possível, e fez-me um novo perfeito, à medida. Nestes dias sorri muito, sem me preocupar com o dente escuro-estranho, que já não existe. Sorri como naquela foto, sem me preocupar com o mundo lá fora. Pergunto-me onde andará ela, a minha foto - numa máquina estranha, em estranhas mãos, com um dente escuro-estranho que já não tenho. Mas dele não quero saber. Os meus dentes são uma coisa realmente estranha (mesmo sem o escuro-estranho).

 

 

 

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