Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2016

.Hoje

Não estou a começar o ano da melhor maneira. Hoje, para ajudar, tive um acidente. Não me querendo alongar sobre o acidente em si, queria apenas dizer que nunca me tinham feito sentir tão burra, tão incompetente, tão miserável. Tudo isto feito por um senhor agente da autoridade. Senti-me triste, pequenina, com vergonha. Somos todos pessoas, todos erramos, eu errei, mas não se pode errar assim quando se veste uma farda daquelas. Ainda há uns dias, numa entrevista para um curso, me perguntavam se nestes anos de serviço nunca perdi a calma com ninguém. E não, nunca perdi. Tento sempre ajudar, manter a calma. Foi o que fiz hoje. Tentei manter sempre a calma, responder a tudo, ser simpática e prestável. Mas um dia tenho de deixar de ser assim, cada vez mais me convenço disso – não vou longe. Não se pode humilhar assim ninguém. Até a carta tapou para ver se eu dizia a morada fiscal igual. Tudo tão triste. No final, mesmo antes de me vir embora, tendo em conta que me tinha dito que eu tinha cometido uma infração com multa de 120€ e inibição de conduzir, e até já se tinha despedido, dirigi-me a ele e perguntei como fazia para pagar a multa. Resposta: “Vou pensar se lhe mando a multa para casa ou não”. E é isto. Agora vou ficar a aguardar. Para ver se lhe apetece multar-me ou não. E nem com o senhor do outro carro tive sorte. Eu que até estava com pena porque ele disse que era viúvo, e estava desempregado, e num carro emprestado. Apertei-lhe a mão, desejei-lhe um bom dia. Resposta: “Vá mas é almoçar que a falta de atenção deve ser da falta de comida no estômago”. Engoli em seco, uma vez mais, sorri e entrei no carro. Tenho tanto a aprender ainda com a vida.

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L. às 16:44
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Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014

.Hoje

Hoje, numa das mamadas da noite, adormeceste na nossa cama. Deixei passar aquele bocadinho de sono leve, em que acordas assustada algumas vezes e nos procuras com a cabecita sempre às voltas, e peguei-te ao colo com cuidado para te deitar na tua alcofa. Arranjei-te, tapei-te, e no fim tive o cuidado de te deixar as mãos em cima da manta, como tu gostas. Nesse instante, abriste muito os olhos, sorriste para mim e voltaste a dormir. E eu, que sei que ainda não falamos a mesma língua, voltei também a dormir feliz porque pensei que, em gestos, me tinhas dito: "olha, a minha mãe já sabe como eu gosto de dormir". Todos os dias dou um significado novo ao teu sorriso. O mais provável é que sejam só coisas da minha cabeça - não faz mal, o teu sorriso, por si só, vale tudo.

Parece que isto virou um baby blog...
Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2014

.Noites de mãe

Eram 03:59 quando a ouvi. Não chorava, mas fazia aquele barulhinho que conheço já tão bem de quando anda à procura da mama. Suspira e anda de boca aberta, a apanhar tudo o que está à volta. Desta vez tentava tirar leite da mantinha. Depois percebe que não sai nada dali e, aí sim, começa a chorar. Hoje não foi preciso. Acendi a luz, fiquei uns instantes a observar o meu raio de luz, que me deixa sempre o coração apertado, e meti-a na nossa cama para a refeição da noite. Mamou, adormeceu, despertou, voltou a mamar, a adormecer e a despertar. Aproveitei para lhe trocar a fralda, que é sempre uma aventura. Já sabemos que basta começar o processo para a rapariga se inspirar - chegamos a gastar 4 fraldas na mesma muda. Hoje não foram precisas tantas, mas limpei-a quatro vezes, meti creme quatro vezes, e sempre que ia trocar a fralda lá vinha mais qualquer coisa. Saldo: terminei com cocó na cara, nas mãos, nos braços, no meu pijama, no fraldário, no resguardo, por baixo do colchão da troca. Ela safou-se, desta vez, porque ontem tive de lhe trocar a roupa umas quatro ou cinco vezes à conta de xixis e cocós. Sempre ouvi a expressão "até ao pescoço", mas ela, apesar de também já nos ter presenteado com uns desses, é sempre mais "até aos pés", quando está vestida (não percebo como é que aquilo sai da fralda e encontra caminho pelas calcinhas/collants abaixo!), ou "de esguicho e para todo o lado", em todas as mudas de fralda. Estar perto dela sem fralda é um perigo! No outro dia, só para que a pesassem no centro de saúde, fez um xixi na bancada onde a despimos e outro na balança - deviam meter papel absorvente naquilo e não vegetal, que a moça ficou com urina da cabeça aos pés. Fralda mudada, é hora de adormecer no colo da mamã, antes de passar para a alcofa. Não há música, bonecos, silêncio ou escuro que me valham, ela gosta mesmo é de gente, de ouvir conversas, de calor humano, de olhar para as luzes (é mesmo minha filha, diz a minha mãe) e se puder adormecer com a cara encostada à maminha, melhor ainda. Dizem os entendidos que, se o bebé dorme, a mãe dorme também, vamos lá a isso (e quem é que faz as coisas? E ela deixar? Durante o dia a alcofa e a espreguiçadeira têm picos, o colo da mãe é que tem mel e manda embora as coisas más! A árvore de natal ainda está feita!). Ah, não, espera, tenho de aproveitar que ela faz menos uma refeição de noite e ir buscar a bomba para tirar leite. Vida de vaquinha leiteira - a qualidade que a minha filha mais gosta em mim (por enquanto, espero!). Ser mãe é mesmo o melhor do mundo - à noite também. Até nas noites em que nos encontramos de hora a hora.

Actualização:
Consegui tirar 150ml, enquanto alternava o olhar entre a minha filha (diz que ajuda) e o facebook para passar o tempo. Mais um saquinho no congelador, na preparação para o regresso ao trabalho. Go, go vaquinha leiteira! Agora sim, vamos lá dormir, que às 7 a rapariga deve querer o pequeno-almoço. Às vezes sinto que passo os dias com o peito de fora, que não faço mais nada para além de dar mama e guardar leite. E perdi a vergonha, já saco da mama em qualquer lado. No outro dia, em pleno centro de saúde, tinha 5 senhoras à minha volta a ver, "não se importa, é a coisa mais bonita do mundo! E já viu que os homens não olham? Se entrasse aqui uma mulher com um decote grande, babavam-se todos, assim, respeitam". Já disse hoje que isto é o melhor do mundo? É mesmo!

Actualização 2:
Eram 06:59 quando a ouvi. A minha filha tem um relógio suíço na barriga, de três em três horas o 'despertador' dela toca. Desta vez choramingou um bocadinho, percebeu logo à primeira que a manta não dá leite. Vamos lá repetir o processo todo outra vez. Não cansa. Desta vez chateia-se com a mama e 'discute' com ela, enquanto anda ali a tentar apanhá-la e a fazer barulhinhos engraçados, ao despique com o ressonar do pai. Como é bom senti-la assim, encaixadinha em mim, de olho aberto na direcção dos meus. Mas daqui a pouco podes fechá-los, sim, pequenita? Só um bocadinho! A mãe agradece. Encontramo-nos às 10:00!

Actualização 3:
Ouvi-a resmungar, olhei para o telemóvel, eram 09:00. Não me pareceu que fosse fome, era mais uma conversa. Acho sempre que não assistir a estes momentos da minha filha é um desperdício, o verdadeiro, de tempo, de amor, mas estava tão cansada que voltei a adormecer. Acordei com o barulhinho da fome e pensei que era cedo, só tinham passado 5 minutos desde que tinha fechado os olhos, ou não? Eram 10:00, relógio suíço. Esta foi uma noite boa. Quando nos entendemos, quando até conseguimos dormir e sonhar, tudo está bem. Depois há as outras, como a que tivemos na 6ª, em que a rapariga acorda a todas as horas, quer mama a todas as horas, chora a todas as horas, e nós sem percebermos o que se passa, sem descanso, sem chão, porque ver um filho a chorar sem sabermos o motivo tira-nos tudo. Às vezes é uma dor de barriga, ou uma cólica, ou precisa só do aconchego da maminha por uns breves segundos para atirar a 'guerreira' ao tapete ou é uma luta contra o sono - quem se lembrou de inventar que a noite serve para dormir? Ela não percebe! Tão bom, ter ali a mãe e o pai, e tem de dormir? Que tontos. Essas não deixam de ser noites felizes, que o meu pequeno raio de sol é sinónimo disso mesmo, mas são as noites más. Noites? São noites? Juro que, nessas alturas, nem dou por elas passarem.

Actualização 4:
13:00, hora da mama outra vez. Dez minutos na mama direita, adormece. Mudar a fralda. Aqueço a água para molhar as compressas com que a limpo, ligo o aquecedor, tiro-lhe a roupa, abro a fralda suja e limpo-a para que possa ficar assim um bocadinho, também para ajudar a matar os fungos que por ali apareceram. Fica a conversar e a rir para a boneca que lhe ofereceram para a porta e que eu colei no roupeiro ao lado do fraldário - por enquanto, de vontade, só ri para esta boneca e quando vê a mama. Passados 5 minutos, está na hora de meter a nova. Depois de meter o creme, mesmo no instante em que me preparava para fechá-la, novo presente. Já estou sempre à espera, mas ainda me consegue surpreender e fazer rir. Nova limpeza, novo creme, nova fralda, novo presente de esguicho. Uma só muda, três fraldas. Pequenita, assim estragas as contas ao teu pai! Pela média dele, na folha excel, já tinha fraldas até Agosto, mas parece que lhe vais estragar os planos! Não faz mal, acho que ele gosta tanto de encontrar boas promoções quanto de nós. Brincadeira... Mas não devo andar muito longe da verdade. ;)
Quinta-feira, 20 de Junho de 2013

.Das reclamações

Nunca fui uma rapariga de reclamações, em toda a minha vida devo ter feito duas – e até contei a história por aqui. Tantas vezes guardo para mim aquilo que penso que se tornou um hábito, uma forma de ser. Outras vezes resolvo falar e corre mal, como ontem (que raio de semana esta!), mas hoje tenho uma história com um final semi-feliz. Quando soube que estava grávida lembrei-me que ainda não me tinha mudado para o centro de saúde do sítio onde moro agora. Estava registada na terrinha e por lá continuei, apesar de ter mudado todas as outras coisas. Mandei email para as duas unidades de saúde locais e recebi um telefonema de volta, das duas, que lamentavam muito mas não aceitavam inscrições há quatro anos, nem naquela modalidade de ficar sem médico associado. Passei-me, nem queria acreditar. E as hormonas aos saltos, e o sangue que aumenta de volume a ferver, e saiu uma reclamação. Ministério da Saúde, Unidades de Saúde, Direção Geral de Saúde, não sei quê de Saúde de Lisboa e de Sintra. Passados uns dias recebi um telefonema de uma das Unidades. Que não sabiam bem o que se passava, mas que tinham ordem do Diretor para me ligar e pedir os meus documentos para procederem à inscrição. Fui lá a primeira vez – e o pai da criança, não se quer registar? Quer pois, voltei lá uma segunda vez com os documentos dos dois – vê aquela pilha? Estão todos à sua frente, vai ter de esperar. E o curso de gravidez? Gostava de frequentar, aqui é gratuito – pois menina, nasce a criança e você ainda não está inscrita, vá onde está registada. Ai é no Alentejo? A 100km? Pois, não sei, vá ver nas terras vizinhas. Passei-me de vez. Não queria passar à frente de ninguém, queria que todas aquelas pessoas estivessem inscritas. Isto faz sentido? Vivemos num país, de acordo com as leis e regras que nos impõem, pagamos impostos, todos os impostos, e não temos direito a aceder a cuidados de saúde / médicos no local de residência? Felizmente, tenho possibilidade de pagar um seguro de saúde e estava já a ser acompanhada num hospital privado, e quem não pode fazê-lo? Quantas daquelas pessoas não o podem fazer? Saiu nova reclamação, um bocadinho mais agressiva sem ser mal-educada, que também já respondi a algumas no trabalho e sei como é mau. E fui fazendo a minha vida. Hoje recebi um telefonema de uma das Unidades de Saúde. Que não só estou inscrita como até tenho médica de família. Queriam confirmar se deviam mudar todo o meu agregado familiar comigo – os meus pais e a minha irmã. De repente, surgiram quatro vagas, com médico e tudo, e passei à frente de uma longa lista de gente. E devia estar feliz, pois devia, mas não deixo de estar preocupada com os que não pensaram nisso ou não têm possibilidade de se fazer ouvir. Eu não sou ninguém neste país, nesta terra, nem no meu prédio (apesar de ser gestora de condomínio nem sequer posso mandar pintar o prédio porque não há dinheiro), e vá lá na minha casa ter um poder de voto de 50%. Mas reclamei e deu resultado. Vamos começar todos a fazer o mesmo? 

L. às 15:48
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Quinta-feira, 4 de Outubro de 2012

.Nas minhas mãos

Em dias assim, de apertos, resta-me* animar com as palavras de quem não conheço. Dei-lhe apenas uma resposta muito pequenina e simples, entre tantas outras. Penso eu. Às vezes, mesmo sem notarmos, em pequenas escolhas, temos a vida dos outros nas nossas mãos. Fazemos também o papel de Deus. Interpretamos as urgências à nossa medida, tantas vezes sem a verdadeira noção daquilo que se passa. Vendo as coisas assim, talvez tenha já sido má com tanta gente. Mas hoje, ao ler isto, hoje sabe-me bem saber que também está nas minhas mãos fazer alguém feliz.

 

“Não tenho palavras para agradecer a atenção e colaboração, resta-me apenas aplaudir o empenho, e a capacidade de resposta atempadamente. O meu muito obrigado, tenham a certeza que um dia eu serei testemunho de que existem pessoas bondosas, capacitadas e qualificadas, motivo pelo qual sinto orgulho dessa equipa que de outro lado está a fazer um excelente trabalho.

Boa noite, continuação de uma boa semana e muita saúde e felicidades na vida,

X”

 

*Mentira. Também houve coisas boas: piquenique na relva com as amigas ao almoço, acompanhar a mana à primeira entrevista pós-curso e saber que posso sempre contar com o Z..

Estou:
Segunda-feira, 16 de Abril de 2012

.Coisas doces (ou nem tanto)

Tenho a terrível tendência de ver apenas o buraco no mesmo sítio onde todos os outros conseguem ver um donut. Esta é a melhor expressão que encontro para definir aquilo a que costumam chamar pessimismo, eu que só provei um donuts na casa dos 20 anos e nem sequer gostei. Procuro esperar sempre o pior das coisas, o que acho bem melhor do que ser apanhada desprevenida (como tantas vezes).  Pergunto-me se sempre fui assim, e quase tenho a certeza que não. Pensando melhor, consigo ver na minha cabeça os dias, os momentos em que acontecimentos que poderiam ser insignificantes me foram tornando assim. As chamadas lições. Deixo de lado, como quando estou doente e deixo de gostar do que comi naquele dia, as roupas que usei nesses instantes, não sejam elas as culpadas de tudo o que acontece. O importante é encontrar um culpado para todos os males, saber quem deixou afinal um buraco no bolo que poderia ser perfeito. E para não deixar de lado aqueles de quem gosto e me magoam, vou atirando com as roupas para o fundo do armário. Bem mais fácil. Não poderiam ensinar-nos a viver apenas em livros e em filmes? Há mesmo necessidade de passar pelas coisas para aprender? Eu, contra todos os argumentos que me vão apresentando, acho que não. E não quero mais. Há que brigar por uns trocos, ofender por coisa nenhuma, magoar sem sentido, trair sem desculpa, estragar o que existe por um qualquer capricho? Há coisas pelas quais ninguém devia passar, nunca. Por isso, hoje, cheguei a uma conclusão. Chega de culpar o que não tem culpa, de fingir que não aconteceu, de tentar passar por cima depois do mal estar feito. Que pensem nele antes de o praticarem, porque já não tenho vontade de ignorar. Os cortes, como tudo o que é definitivo, assustam-me. Mas recuso-me a permanecer numa órbita sem sentido, em que aquilo que nos une, a mim e aos que me rodeiam, afinal não existe, ou só um dos lados consegue vê-lo. Se não existe, eu vou passar a conseguir vê-lo. Ou não tivesse eu esta tendência para ver apenas os buracos, o que falta. Será assim em tudo. Olho por cima do ombro para os últimos dias e não gosto de nada. E oiço quem me diga “então e isto? e aquilo? e o outro? Não sejas injusta!”. Mas eu sou assim, se uma coisa está mal, então eu estou mal. Se muitas estão mal, então o meu mundo também está. Que raio de teoria, dirão alguns. Mas tenho desculpa, digo de mim para mim. É que eu sou apenas a rapariga que vê o buraco onde todos os outros vêem um donut. E nem sequer gosta de comer aquilo que afinal existe.

Lá fora: "ninguém é prisioneiro de ninguém"
Quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2012

.Convencida

Hoje recebi isto, e não pude deixar de me sentir bem. Estou ligeiramente convencida, mas já passa.

 

"Já chegou a (…), graças a Deus e a ti que se prontificou em resolver meu problema o mais rápido possível. Obrigada mesmo, de coração! Sei que deve estar a pensar só fiz o meu trabalho. Pense. nem sempre as coisas correm dessa maneira. Há muitos por ai que não fazem nem 1/3, não estão nem aí para os problemas dos outros. Já não mais ocupando o seu tempo, quero lhe dizer que a partir de hoje você vai estar em minhas orações diárias... que Deus lhe dê sabedoria para agir no seu dia a dia, no seu falar, no seu agir, que Deus coloque palavras sábias na sua boca, na sua escrita, no seu pensar. Que Deus lhe dê muita saúde e que esteja sempre lhe guiando para o bem. São pessoas como você que fazem o país crescer, você sabe fazer a diferença, não é só mais uma soma."

L. às 14:49
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Terça-feira, 10 de Janeiro de 2012

.i (de iPhone, iPessoa, irritada, insónia, ignorante…)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu e os telemóveis temos muitas histórias juntos. Por norma, acabam debaixo de um carro, ou caem da mesa-de-cabeceira mas ficam como se tivessem sido atropelados, ou começam a fazer coisas estranhas, ou partem-se mal saem da caixa, ou sei lá. Já tive tantos, com tantos finais diferentes, que lhes perco a conta. E eu sou uma pessoa que estima as coisas, se não fosse não sei como seria. Por norma, tenho sido fã da Nokia, mas fiz uma promessa, daquelas tontas, não me costuma dar para isto, que quando avariasse ia comprar um iPhone. E, no início de Dezembro, sem motivo conhecido, o ecrã do meu telemóvel começou a ficar às riscas, uma vez, depois outra e mais outra. E de todas estas vezes eu tinha de o desligar e voltar a ligar, e pedir-lhe para não avariar, porque olha a minha promessa, e as contas, e a casa, e a crise, e a Troika, e mais não sei quantas coisas. Mas ele não me ouviu e avariou de vez no dia em que a Optimus me mandou um mail a dizer que aceitava reservas para o iPhone 4s. Era um sinal, o destino, convenci-me. O pior foi ter assinalado que queria comprar através do programa de pontos, e nunca mais me diziam nada, e o telemóvel avariado, e já toda a gente com o iPhone novo, e eu sem nada. Numa ida ao Colombo resolvi passar na loja e só tinham um, por acaso, porque uma pessoa tinha desistido da reserva, mas era branco e de 16Gb. Era mesmo o que eu queria. E foi assim que cometi a loucura de uma vida e passei a ser uma iPessoa.

 

Tenho uma vizinha no piso de cima que está a acabar, mesmo, comigo. A senhora acorda todos os dias entre as 06:30 e as 07:30 e a primeira coisa que faz é calçar os saltos altos. Corre a casa toda com os malditos sapatos e ainda se dá ao luxo de fazer sprints sempre que se esquece de alguma coisa. Consigo dizer, com toda a precisão, em que divisão da casa está. Pior ainda, se é que isso é possível, é que não a oiço só àquela hora. Sempre que está em casa – não sei como consegue, lá anda a mulher de saltos altos. SEMPRE. No sábado acordou-nos às 07:10 e à meia-noite, quando chegou a casa. No domingo acordou-nos às 07:28, ontem voltou a acordar-nos de manhã e à meia-noite, até que batemos com a vassoura no tecto e ela lá percebeu que devia descalçar-se. Se estamos a ter uma conversa séria e a senhora entra em casa, o meu cérebro pára, não consigo continuar. Os saltos martelam no chão e sinto-os a bater na minha cabeça. Fico com vontade de bater em alguém, transformo-me. Eu queria ir lá bater-lhe à porta, mas há várias coisas a segurarem-me: primeiro, porque leio o Correio da Manhã todos os dias e sei que se matam pessoas por coisas bem mais pequeninas; segundo, porque a minha mãe não deixa, agora que vamos sair dali não vale a pena arranjar problemas, e as mães têm sempre razão; terceiro, porque ela pode ser maior do que eu. Mas o plano já está traçado, vou escrever-lhe uma carta bem bonita, a explicar-lhe que nem todos temos o mesmo horário, que os saltos fazem mal à coluna e aos derrames, que gosto de acordar com o despertador, que uma vez acontece mas muitas são falta de respeito, e que vou embora, felizmente para um último andar, mas agradeço que se porte bem com os próximos inquilinos, e vou deixá-la à porta de casa dela, juntamente com um par de chinelos e uma cópia da lei do ruído. Não sei se vai perceber, porque uma pessoa que faz o que ela faz todos os dias só pode ser muito ignorante. Mas isto digo eu, que ando irritada.

 

Estou de tal maneira irritada com a senhora do 5ºC que já a oiço mesmo quando ela não está. Hoje acordei um bocadinho antes dela, já a sonhar com o momento em que os sapatos começariam a correr a casa toda. Ela saiu, o Z. saiu, e, depois, quem é que me fazia dormir outra vez? Recorri ao meu iPhone. Desde que o tenho estou ainda mais viciada no telemóvel, e faço tudo o que posso com ele. Até me tenho dedicado mais a coisas que ainda me passavam um bocadinho ao lado, como as redes sociais. Tiro fotos em todo o lado e vá de publicar. Abdiquei do meu iPod, pobrezito, mas ele compreende o meu fascínio por este novo amor. Só de fotografia já tenho três pastas cheias de aplicações. Mas tenho outras, umas normais, outras mais estranhas, como programas que emitem barulhos capazes de afastar mosquitos. Tenho uma, a “Magic Sleep”, que tem um céu estrelado, ovelhinhas a saltar e uma música que simula o batimento cardíaco para, supostamente, ajudar a adormecer – nem recomendam que se oiça aquilo no carro. E hoje recorri a ela. Só tenho a versão gratuita, de dez minutos, mas posso garantir que deu resultado, porque não me lembro do momento em que terminou. Tudo isto para chegar a uma conclusão: ando irritada, com insónias, à conta da vizinha ignorante, mas tudo podia ser muito mais difícil se não tivesse o meu iPhone. Há loucuras que vêm por bem, digo eu a tentar convencer-me. Ter-me tornado uma iPessoa só pode ser uma dessas boas.

 

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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2011

.Apaixonada

Não sou uma pessoa com um grande amor pelos animais. Sou incapaz de os maltratar mas, se puder, dou uma volta enorme para não me cruzar com eles. Como em tudo na vida, claro que há excepções. Também eu tive coelhinhos, pintainhos, porcos da Índia, bichos-da-seda, um esquilo (que histórias tivemos com o Cajó!) e talvez outros que agora não me lembro. E cães e gatos. Gostava mesmo deles, mas quando morriam, atropelados, envenenados, de males vários, o processo de luto era tão penoso que percebi que o melhor era não tê-los, esta seria a única maneira de não sofrer. E depois houve aquele susto com o pastor alemão igual ao Rex, logo comigo que vi todos os episódios e chorei com as perdas dele, que me tentou morder quando eu tinha uns seis anos. Não me acertou, mas apanhou o braço da avó, que me tentava defender, e que nunca mais voltou a ser o mesmo. Nem eu. A partir dai, nada de cães e gatos na minha vida. Claro que sempre houve um ou outro que me conseguiu conquistar. O Scotty do meu pai, e a bicharada toda que existe no monte do Z.. E até lhes pego ao colo e deixo que se aninhem aos meus pés perto do lume. Só não tenho muita intimidade com a cadelita Duda porque ela come ratos. Já a vi comer um enorme e deitá-lo fora logo depois, mesmo à nossa frente, por se ter engasgado com o rabo. Não foi bonito. Com a minha irmã a história é diferente, é a maior defensora dos animais em geral e dos cães em particular. Deixassem os meus pais e todas as noites os cães estariam lá em casa, de preferência no quarto dela. Foi por isso que quando me começou a falar dos dois pequenotes que a Borboleta tinha trazido ao mundo não lhe liguei muito, era uma obsessão como todas as outras anteriores. Chegámos a discutir à mesa porque ela queria levar-me a vê-los e eu achava melhor gastar o meu tempo com a família que vejo tão poucas vezes. No feriado lá me convenceu e levou-me a conhecer as duas mascotes lá de casa. Os dois cãezitos são mesmo especiais e giros – sem querer ofender a mãe, devem sair ao pai, que não sabemos quem é, porque dela não têm nada. E qualquer coisa mudou. Andei com eles ao colo, demos beijinhos à esquimó, deixei-os roer os atacadores das botas novas e sujar um dos meus casacos preferidos, dei-lhes comida à boca e até me fui despedir deles com a lagrimita no olho, de acordo com o estatuto de novos membros da família. O pior foi escolher os nomes. Rimos, discutimos e lá chegámos a uma conclusão depois de muita luta. A única exigência do pai era que o lourinho fosse 'Leão', e é verdade que ele tem porte, pose e comportamento de rei (as birras que apanha quando ralhamos com ele por morder o mano são de mais), masas mulheres da casa queriam uma coisa diferente. Decidir a quatro não foi fácil - não queríamos nomes de pessoas, os apelidos de pessoas da terra também não ajudavam e somos todos muito diferentes. E o que rimos com a mãe que há uns tempos atrás nem mexia em computadores quando se saiu com "e se procurássemos na net?", e leu todas as sugestões estranhas de sites brasileiros sem sucesso. Foi no jogo do Sporting que encontrámos o nome final – depois de gostarmos as três só tivemos de convencer o pai. A mana estava num sítio do estádio com a mãe, eu noutro com o Z. e o pai ainda noutro sítio diferente. Quando entrou a nova mascote no relvado pensei que era mesmo aquilo, e a mana pensou o mesmo porque quando estava a escrever-lhe uma mensagem chegou a dela com a mesma ideia. A mãe aprovou e o pai foi um bocadinho forçado, mas ficou convencido. E assim baptizámos um de Jubas, a fera birrenta, e o outro de Ruca, que só pensa em morder calças e atacadores e foge das fotografias. Dou por mim a pensar neles muitas vezes e percebo que mudou mesmo qualquer coisa. Tenho saudades, preocupações, pergunto por eles nos telefonemas para casa, quero estar com eles o mais depressa possível, gostava de trazê-los comigo para Lisboa e fico com o coração apertadinho só de pensar que lhes pode acontecer alguma coisa enquanto estou longe. O Z. já tinha insinuado e eu não queria admitir, mas os sintomas são óbvios e chegou a hora de assumir. Estou apaixonada. Mas, vendo bem, quem não ficaria?

 

 

 

 

O meu carro (batido) tinha umas colunas com vida própria. Sempre que passava num buraco ou numa lomba uma delas deixava de funcionar e outra ganhava vida. Quando o Z. tentou arranjar (ele consegue, mas sobram sempre peças), teve de cortar um dos fios e foi logo o da memória. O meu rádio deixou de memorizar postos e cada viagem é uma aventura e um desafio até encontrar uma música ou uma estação que agrade. Hoje, já estava a chegar a casa, apanhei a Star e começou a dar uma música que normalmente me faz rir, dançar e pensar em coisas boas. Hoje, sei lá porquê, fez-me qualquer coisa estranha e comecei a chorar desalmadamente. Pensava em mim, pensava na Di. e no Nu., que sem se saber muito bem como perderam a mãe de um dia para o outro, pensava nos meus pais – entrei às dez e saí às sete e tal de rastos quando eles terminaram o dia depois de mim e às cinco da manhã já o tinham começado, sei lá. Foi tudo. E foi a música. A do rádio do meu carro batido, que já não tem colunas com vida própria, mas ainda me consegue surpreender.

http://www.youtube.com/watch?v=du2rYBS5XN4

Lá fora: "Já estou aqui, o que é que queres mais?"
Sábado, 10 de Dezembro de 2011

.Chatices

Ficámos mais um bocadinho com os pais e a mana depois do jogo para aproveitar a companhia e as bifanas. Depois corremos para apanhar o metro, que já assinalava a partida, até Entrecampos, onde deixámos o carro para fugir da confusão. Um carro parou de repente à nossa frente e conseguimos ultrapassá-lo para virar no desvio logo à direita. E, nesse instante, um táxi saiu do estacionamento sem olhar para trás e arrastou o nosso carro. A avó T. é que tem razão, as coisas que têm de nos acontecer encontram-nos onde tiver de ser, faça lá a gente o que fizer. Tivesse eu saído logo do estádio, ou deixado o carro mais perto, ou esperado que o carro da frente arrancasse ou ainda tivesse seguido em frente sem ligar ao desvio, e ainda assim talvez este táxi nos tivesse encontrado numa qualquer rua de Lisboa. Há quem lhe chame destino. A avó T. chama-lhe "o que tem de acontecer". Eu chamo-lhe chatices.
L. às 23:57
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