Quarta-feira, 1 de Abril de 2015

.O nosso ovo

Quando a Aurora estava na minha barriga, e porque ela me mandou ao tapete muito cedo, conversávamos muito. Sobre muitas coisas. Lembro-me de lhe falar sobre a escola e os trabalhos manuais. Para que se mentalizasse que a mãe que lhe tinha calhado em sorte não tinha jeito nenhum para essas coisas. Nem um bocadinho. Mas que não desanimasse, ia ter uma madrinha e avó talentosas, que nos ajudariam por certo. Ela nasceu, veio a escola e os pedidos de colaborações aos pais. E, ainda que continue a ter a certeza que o jeito é muito próximo de zero, nunca senti vontade de passar a tarefa a alguém. A mãe sou eu. É a mim que me estão a pedir. E eu quero muito estar à altura de tudo o que diz respeito à minha filha. E talvez assim ela comece a aprender que podemos não ser sempre os melhores (não digas isto ao avó João, que espera sempre o melhor de nós em tudo), mas que o importante é participar - tenho quase a certeza que também falámos sobre isto ainda antes de nos conhecermos.

[Este é o nosso ovo da Páscoa. Foi tão bom ver uma parede enorme cheia de ovos, todos tão diferentes, todos tão cheios de bocadinhos de quem os fez.]

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L. às 11:18
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Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014

.Coisas que aprendi, que conheço, que sei, que passei a saber, que ainda não sei, ..., nestes 3 meses + 37 semanas

Há 3 meses, conheci a minha filha. Desde aí, tantas coisas mudaram. A começar pelo meu amor por ela.

Primeira coisa que aprendi ao ser mãe: o amor pode sempre aumentar. Quando achamos que já chegámos ao nosso limite, basta vir um novo dia e percebemos que não - amo-a sempre um bocadinho mais.

Segunda coisa: o tempo passa mesmo depressa de mais. 3 meses? Mas como é que passaram 3 meses? Já tens quase o dobro do peso, aumentaste 8 cm, já tenho caixas com roupas que não te servem, e outras nem chegaste a vestir! Tantas coisas lindas que nem saíram do armário porque, em casa, andar de babygrow é que é bom. E o tempo passa a correr.

Terceira coisa: sei muito pouco sobre ti. Há dias em que penso que te conheço muito bem. Que sei como vais acordar, mamar, adormecer. Como te vais portar a mudar a fralda ou no banho. Como te arrancar um sorriso ou fazer parar as lágrimas. Mas, depois, vem um novo dia e tudo muda. E eu adapto-me a ti, todos os dias.
Desde que nasceste que adoras o banho. Assim que começas a ficar sem roupa, notamos logo a tua alegria. Quando entras na água, a festa continua. E era sempre assim, até ao fim. Agora, sempre que te tiramos para a toalha e começamos a sessão de cremes e roupas, começas num choro sem fim, com lágrimas e tudo. E nós aceleramos o processo, mas sem qualquer resultado - queres leitinho. E não adianta dar-te antes, porque a água abre-te sempre o apetite. Não faz mal, eu estou cá para isso. A minha licença é para estar contigo e nada mais. Por enquanto, há uma coisa em que ainda não mudaste: adoras mudar a fralda. Podes estar com a maior birra do mundo, podes estar doentita ou com fome, que mudar a fralda é sempre sinónimo de sorrisos, gargalhadas e conversas.

Quarta coisa: as meninas são sempre filhinhas dos papás. Passo um dia contigo em casa, dou-te mama quando pedes, mudo os maiores cocós do mundo, contra todos os conselhos passo o dia contigo ao colo porque choras na espreguiçadeira e não consegues dormir ali de dia por muito tempo (mas de noite dormes bem na tua alcofa). Tenho o braço esquerdo super musculado porque já consigo varrer, lavar o chão, estender roupa, cozinhar, comer contigo ao colo. E, com tudo isto, ganho apenas uns sorrisos na muda da fralda. O pai precisa apenas de telefonar ou de chegar a casa para ganhar os maiores sorrisos, as maiores gargalhadas, as maiores conversas. Menina do papá.

Quinta coisa: adoro amamentar. Antes mesmo de nasceres, eu já sabia que queria muito fazê-lo. E sou tão feliz quando o faço! É um momento só nosso, em que te posso dar aquilo que mais ninguém pode. E fazes uns barulhinhos deliciosos enquanto mamas! E dás ou entrelaças as mãos de forma tão mimosa. Tenho a sorte de poder fazê-lo contigo a olhar-me olhos nos olhos. E não me importo quando estes momentos acontecem a meio da noite, nem quando acontecem várias vezes a meio da noite. Vou ter saudades disto, tantas.

Sexta coisa: mãe sofre muito. O tempo todo. Porque às vezes não queres comer, não queres dormir, o meu colo não te sossega, e eu não sei o que se passa. Porque às vezes tens fungos no rabo, tens uma hérnia umbilical e nasceste com um hemangioma. Porque é aflitivo ver-te de nariz tapado, a tossir, a espirrar, com ranhocas, a vomitar, com febre, a levar vacinas, ... . Porque não consigo pôr-te a água do mar ou o soro no nariz sem te fazer chorar. Porque não conhecemos aqui ninguém e quando fizeres 7 meses vais para um colégio, onde também não conhecemos ninguém, com uma mensalidade maior que a prestação da nossa casa. Porque às vezes não sei se serei a boa mãe que mereces e se te conseguirei proteger de tudo.

Sétima coisa: os filhos não prendem ninguém nem unem um casal, pelo menos nesta fase. Com tanto cansaço acumulado e falta de tempo, há sempre alguém mais negligenciado, e esse alguém é o pai. Quando estamos os dois em casa, aproveito para fazer aquilo que não consigo quando estamos sozinhas. E, quando adormeces, só quero adormecer também. Se não existir amor antes, se a relação não for forte, um bebé só piora as coisas. É muito fácil desistir e escolher o lado óbvio. Mas, quando existe amor, não há escolha possível porque tudo junto faz muito mais sentido. Olho para a Aurora como a melhor coisa que fizemos, e que só podia ter nascido de um amor assim.

Sétima coisa: um pai faz muita falta. Pelo menos um como o da Aurora. Eu reclamo, pois sim. Mas, desde o momento em que ela nasceu, que vejo todos os dias que ele é um pai espectacular. E ela também, tamanha é a felicidade da rapariga quando o vê. Não sei o que é dar um banho sem ele, por exemplo. No outro dia alguém me falava de um casal em que a mãe não deixa o pai fazer quase nada, porque ela é que sabe. Nós também entramos em conflito, porque às vezes um acha que sabe fazer melhor do que o outro, mas, sempre que ele está em casa, faço questão que ele a ponha a arrotar, que lhe mude a fralda, que lhe dê colo. Eu serei sempre a mãe dela, e tratarei sempre dela da melhor maneira que sei - mas deixa-me feliz saber que há mais alguém a tratá-la tão bem e a amá-la tanto quanto eu.

Oitava coisa: coisas várias. Sei que o único creme que não te deixa o rabinho assado é o Mitosyl. Mas que quando fica o que te salva é o Nutraisdin. Que as melhores fraldas são as da Chicco, mas usamos Dodot, que também são muito boas. Que não gostas de ter a fralda suja. Que se queremos que faças cocó basta tirar-te a fralda e deixar-te uns minutos assim no fraldário - somos contemplados com quatro ou cinco de esguicho. Que os teus xixis de muda da fralda saem em todas as direcções. Que quando apagamos a luz do candeeiro do fraldário antes muito os olhos, de susto e curiosidade. Que és pouco paciente, quando queres uma coisa é para ontem e não páras de chorar até a conseguires. Que gostas de andar a passear pela casa ao nosso colo. Que não gostas de te vestir. Que adoras estar sem roupa. Que veneras luzes - basta levar-te para perto de uma para sossegares, e, se estiverem apagadas, vais alternando o olhar entre elas e nós até que um de nós as acenda. Que iluminas a vida dos avós e dos bisavós de uma maneira que nunca imaginei sequer. Que cresces depressa de mais. Que adoras dormir no colo, de pé, bem encostadinha a nós. E que, nessas alturas, cruzas os braços sobre o nosso peito e deitas a tua cabecita neles. Que quando começas num choro sem fim só sossegas com colinho, de alguém que ande a passear contigo, a dar-te umas palmadinhas no rabo, de preferência perto de uma luz acesa. Também resulta encostar a cara à tua, cantar-te ao ouvido enquanto andamos ou dar saltos gigantes na bola de Pilates. Que tens um sensor que te faz chorar quando a pessoa que te tem ao colo se senta. Que gostas de ser abanada de cima para baixo e não para os lados. Que depois de adormeceres no nosso colo vais abrindo um olhinho às vezes - se nos vês, voltas a dormir, se te enganámos e percebes que já não estás nos nossos braços, começas a chorar. Que quando te espreguiças esticas muito o pescoço e me fazes lembrar o E.T.. Que tens as melhores bochechas do mundo para dar beijinhos. Que as tuas coxas são iguais às do teu pai. Que quando queres sair da espreguiçadeira te ris muito para nós e depois, quando percebes que isso não funciona, começas a chorar. Que gostas de pessoas e conversas, não gostas de silêncio, nem de bonecos (por enquanto, espero). Que já agarras na boneca Aurora enquanto mudas a fralda. Que não aguentas mais de 10 minutos no parque ou na espreguiçadeira - a não ser que seja na cozinha, com o exaustor ligado, ou enquanto tomo banho, com o termo-ventilador ligado. Que te ris mais para os homens do que para as mulheres. Que adormeces automaticamente no carro. Que tens o melhor cheiro do mundo, mesmo sem cremes (mas que gosto muito da loção da Isdin). Que tenho tanto orgulho em passear-te agora como quando passeava a minha barriga. Que as ruas não estão feitas para carrinhos de bebé - os carros estacionam nos passeios, as passadeiras não têm uma pequena rampa que ligue a estrada ao passeio. Que não gostas de levar fralda no ovo, preferes a capa transparente da chuva para poderes ver tudo. Que és muito observadora - enquanto andamos de um lado para o outro, ou quando paramos em qualquer sítio, a tua cabecita e os teus olhos não páram. Que não gostas de chupeta - já tentámos naqueles dias em que estás mesmo impaciente, mas chegas ao ponto de te engasgares. Que não dormes se tiveres as mãos tapadas. E que dormes com elas no ar. Que choras a vestir casacos e a entrar no ovo, mas que te calas assim que o levantamos do chão. Que gostas de adormecer encostada à minha maminha depois de mamares. Que um filho é um investimento a fundo perdido só compensado pelo amor que se recebe em troca - todos os dias faltam compressas, cremes, roupas, consultas, vacinas, cadeiras, ... . Vai correr tudo bem.

Nona coisa: eu nunca mais vou ser a mesma pessoa, de maneira nenhuma. E podemos começar pelo óbvio, a parte física. Vejo tanta gente elegante que me diz estar assim por causa da amamentação, e eu não estou porquê? Para já, ainda não estou muito chateada com este pneu que ganhei, e com coisas várias que ficaram moles de mais, mas quando chegar o Verão acho que vou estar. Nunca consegui fazer dieta na vida, e nunca poderia fazer agora, mas a verdade é que parece que continuo grávida ou pior, porque o apetite ainda é maior, principalmente por coisas doces. Mas depois olho para ti, tão perfeita, e quero lá saber destes 2kg a mais que ainda andam aqui. E estar grávida foi tão, mas tão bom. Senti-me tão segura, tão forte, tão poderosa - talvez seja também porque nos deixam passar à frente em todo o lado (dica de ex-grávida: o melhor sítio para fazer compras é o Continente, tem caixas exclusivas e não prioritárias). Com tudo o que ganhei, não me posso queixar das formas que perdi. Perdi também muitas das roupas que tinha - porque não servem, porque deixei de gostar, sei lá. Toda a vida usei calças à boca de sino, mas não encontrei coisas dessas para grávidas. Fui obrigada a usar calças justas e por dentro das botas, coisa nunca antes vista em mim. O pior é que me habituei, agora há um guarda roupa pré-gravidez, que já mandei para o Alentejo, e um pós-parto. E eu, que toda a vida me queixei de ter pouco peito, olho agora com saudade para os vestidos que já não me servem nessa zona - a gravidez é mesmo o silicone dos pobres! E o cabelo? Entre os que caem e os que me arrancas, não sei se chego a 2015 com algum!
Depois há a parte psicológica, que não é de todo fácil de explicar. É um amor inexplicável, uma preocupação constante, uma vida que depende por completo de nós, uma entrega total. Percebo que existam tantas mães com depressões pós-parto. É o melhor do mundo, mas não é sempre fácil. E os pais vão trabalhar cedo, e nós ficamos em casa um dia inteiro sozinhas, a ser felizes mas a pensar em disparates também. Digo muitas vezes ao Z. que não sei como conseguimos fazer uma coisa assim tão perfeita (e ele responde sempre: "queres que te lembre?"). Para mim ela é isso mesmo, a perfeição. E carreguei-a dentro de mim 37 semanas, e fui eu que a trouxe ao mundo, e está nas minhas mãos fazer dela uma pessoa boa e feliz. Como é que isso pode não mudar uma pessoa?
Deixei de me preocupar tanto com pó limpo, casa arrumada, roupa passada - logo se faz. Eu, que tinha poucos medos, passei a ter de sobra. Tenho medo de conduzir quando te levo, ao meu maior tesouro, no carro. Temo os acidentes, os outros, os furos, tantas coisas. Preocupava-me só com a morte dos que amo, agora preocupo-me com a minha também - quero tanto ver-te crescer e estar aqui para ti! Mas passei, quase por completo, para segundo plano, de livre vontade. E sei que também tenho de pensar em mim, mas pareço-me tão insignificante perto de ti. Fico angustiada só de pensar no regresso ao trabalho! Devia ter tirado a licença de um ano. Toda a gente me diz que me vai saber bem regressar, e sei que devo agradecer por ter trabalho, mas agora ainda me custa muito pensar nisso.
Mas ainda tenho de mudar algumas coisas - tenho de arranjar coragem e força para responder quando põem em causa a forma como tratamos de ti, e para dizer que não concordo quando te fazem alguma coisa que eu não gosto ou não acho correcta. Por ti, hei-de conseguir.

Décima coisa: sou mãe, e posso não ser a melhor do mundo, mas tento sê-lo todos os dias. Há tantas coisas que não sabia e continuo sem saber. O peito não é transparente, como sei se ficas bem? Se digo que às vezes pedes mama de hora a hora, dizem-me que é porque passas fome. No centro de saúde não acreditavam que estavas só a mama porque aumentaste muito de peso e concluíram que o meu leite tem feijoada. E eu vou tentando adaptar-me a ti, enquanto oiço estas coisas diferentes de todos os lados. Não sei se já podes sair mais de casa sem apanhares mil e uma doenças, se podes olhar para a televisão sem te tornares numa viciada que não sabe brincar na rua, se vais preferir um tablet a um caderno para fazer desenhos. Não sei ainda tantas coisas. Mas também sou mãe só há três meses. E tu mudas todos os dias, e eu mudo contigo. Mas uma coisa te garanto: nunca fui tão feliz como sou agora contigo na minha vida. Ver-te adormecer no meu colo, abrires os olhos e sorrires só porque me vês e sentes agarrada a ti, é a sensação mais bonita que eu já conheci. Acho que posso resumir tudo assim: de tudo o que sei e não sei, tenho uma grande certeza, sei que te amo mais do que tudo. E isso há-de servir para chegarmos juntas a qualquer lado (com o pai e todos os que te amam também, que são tantos!). Que seja um lado feliz.
Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

.2014

Vi no outro dia uma entrevista em que o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho dizia que todas as relações, todo o amor, têm de ser trabalhados – o simples facto de alguém ser da nossa família não nos obriga a gostar dessa pessoa, ninguém vem com um salvo-conduto para o amor. E eu percebi, uma vez mais, como sou sortuda. Sim, todos nos esforçamos, sem esforço, para sermos o melhor possível uns com os outros – vejo isso, por exemplo, nas ervilhas com ovos que a mãe acabou de deixar na minha bancada, ou na viagem que os pais acabaram de fazer só para trazer uma coisa à Aurora. Sim, esforçamo-nos sem que nos custe, porque gostamos, e essas acções fazem-nos gostar mais uns dos outros, mas já eram, antes dessas acções, pessoas facilmente ‘gostáveis’, aquelas a quem chamo família. Depois chegou a minha vez de construir a minha família, e de um amor que era já maior do que aqueles que conhecia, conseguimos fazer nascer um ainda maior, e engrandecer o nosso. A pessoa que escolhi, ou que me escolheu, para partilhar os dias tornou-se ainda mais gostável – para além de ser a minha pessoa preferida, é agora também o melhor pai do mundo (ao nível do meu), presente em tudo, disposto a partilhar tudo, mesmo uma fralda com cocó às 04:00. A razão de tudo isto, da nossa felicidade, tem agora uns 50 cm e talvez uns 4kg. Para mim, é a bebé mais bonita, mais perfeita do mundo. Já a amava antes de a conhecer, mas há pouco mais de um mês, quando saltou de dentro da minha barriga para cima dela e cruzámos o olhar pela primeira vez, conseguiu não só ocupar todo e qualquer espaço livre que havia no meu coração, como construir mais mas quantas divisões para se alojar lá também. Pequena Aurora veio com salvo-conduto para o meu amor, para o meu coração, para a minha vida. Usei uma passa para este desejo há um ano atrás, sem fazer a menor ideia do que tudo isto significava afinal. Do quão especial, grande, pleno é. Não sei o que 2014 ou o futuro nos reserva. Sei que 2013 me mostrou, sem o esperar, um amor maior do que tudo, que hoje é sempre maior do que era ontem, e que essa é a maior motivação para desejar sempre um amanhã. Um amanhã com todas estas pessoas da minha vida – tenho a sorte de lhes poder chamar família. Feliz 2014. Que seja cheio de amor.   

L. às 18:05
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Sexta-feira, 6 de Dezembro de 2013

.Mãe

Foi um sábado tranquilo, de contagem decrescente para a entrada nas 37 semanas. O mano do Z. e a namorada vieram passar o fim-de-semana a nossa casa e, para além de comermos (a M. trouxe tarte de amêndoa, queijos, chouriços, e uma caixa enorme cheia de miniaturas de salgados), passámos o tempo no sofá. Almoçámos picanha, mas o jantar foi bem mais saudável, douradas e robalos, e voltámos ao sofá. Eu tinha algumas dores, pois claro, o normal, e já passava da uma quando resolvemos ir para a cama. Acordei às 04:30 com vontade de ir à casa de banho. Ainda estive lá algum tempo, mas, tendo em conta os calores com que andava, estava só com a blusa do pijama e comecei a gelar. Ia a voltar para a cama quando percebi que estava húmida – fiquei irritada comigo, tanto tempo na casa de banho e ao chegar à cama é que tinha resolvido perder o controlo da minha bexiga. Talvez fosse corrimento, pensei. Depois vi e não era. No curso ensinaram-nos que o líquido amniótico se confunde com a urina e não com corrimento, por isso tinha duas hipóteses: ou a bolsa tinha rebentado, ou a minha bexiga estava mesmo descontrolada. Peguei no telemóvel para tentar perceber o que tinham sentido outras pessoas quando lhes tinham rebentado as águas, mas não foi preciso procurar muito. Aquilo continuava a sair, aos poucos, e eu começava a perceber que o grande dia tinha chegado. Não pude deixar de me rir – pedimos-lhe tantas vezes que se aguentasse até dia 24, e a rapariga foi obediente. Eram 04:40 de dia 24, e aí vinha ela. Soubesse eu que era assim e tinha pedido de outra forma, que viesse só no dia 15 de Dezembro. Era esse o pensamento de toda a gente – depois de passar esta fase de maior preocupação, eu ia acalmar, ela também, e provavelmente o parto até teria de ser provocado. Eu não sei o que pensei. Não queria que ela fosse prematura e queria que viesse saudável. Ela esperou – pelo dia que pedimos, que o padrinho viesse ver-nos ainda ‘grávidos’, que a madrinha tivesse um fim-de-semana de folga para poder vir vê-la logo que nascesse, que o primo F. viesse de Faro (viu-nos grávidos no sábado, e no domingo viu-a na maternidade), que o pai estivesse em casa para nos levar à maternidade (já tinha imaginado ir de táxi), que os avós maternos tivessem a loja fechada. Só não conseguiu esperar pelos avós paternos porque resolveu nascer na altura em que as ovelhas começaram a parir também. Mas nunca vamos poder dizer-lhe que foi desobediente. Acordei o Z. e disse-lhe que preparasse as coisas enquanto eu tomava um banho porque estava na hora. “De certeza? Não… Volta a descansar” – voltei a abaná-lo, tinha a certeza. O rapaz preparou a mala de ‘paternidade’ em 5 minutos (“Demoraste tu semanas a preparar a de maternidade!”, dizia-me), encheu um saco com as miniaturas da M., e bateu à porta do quarto de hóspedes para avisar o irmão, “Olha, nós vamos ao hospital, mas deve ser falso alarme”. Falso alarme? Rebentaram-me as águas! Respondeu-me que não queria preocupar o rapaz. E lá fomos. Ou íamos, ainda tivemos de voltar para trás porque percebemos que não tínhamos deixado nenhuma chave em casa e não levávamos casacos.
Não vou mentir. As contracções são terríveis, do pior que já senti. Sei que pensei isto na altura, mas agora, já com alguma distância, não sei bem quantificar. Dores paridas, dores esquecidas, sempre ouvi dizer. Comecei a senti-las no caminho (sempre pedi para que a bolsa rebentasse primeiro para eu saber quando ir para o hospital, se tivesse de contar contracções e minutos não me orientava!). Dei entrada no hospital a meio de uma contracção, nem sei bem como falei com a rapariga. Sei que tive outra no elevador que nos levou até à urgência de obstetrícia. E depois veio a enfermeira, a fazer-me um monte de perguntas com toda a calma do mundo. Pois, era preciso, mas eu precisava mesmo era de qualquer coisa que parasse aquelas dores. Foi quando veio a médica, uma senhora já com uma certa idade, que eu já tinha visto por lá, e que toda a gente dizia que era uma querida. E era, só me dizia “Pobrezinha, a menina está cheia de dores, não está?”. Mandava-me sentar, e eu, com aquela voz arrastada, enquanto alternava entre apertar uma cadeira ou segurar-me na parede, lá lhe explicava que estava melhor de pé. E lá veio o famoso e doloroso ‘toque’. Não vou mentir - doeu! Confirmou-se, a rapariga vinha aí, no dia em que completava 37 semanas. “Devia aguentar-se mais tempo, mas agora não há nada a fazer, ela já decidiu”, sossegava-me a médica. E lá fui eu para o bloco de partos, e lá veio a anestesista dar-me a epidural (“tem a curvatura ao contrário, 1, 2, 3, espere, 1, 2, 3, …, é agora”). Perguntou-me se doía - quando uma pessoa está a preparar-se para o parto, ou já em trabalho de parto, todas as outras dores são relativas. Uma picada nas costas era quase uma massagem. E foi aí que cheguei ao céu. Dor, qual dor? Nada. Sentia uma ligeira impressão a cada contracção, mexia as pernas, falava com o Z., que entretanto já estava equipado ao meu lado, mas dores, nada. Um verdadeiro milagre! O Z. acabou por adormecer, ali no cadeirão ao meu lado, e eu só lhe dizia que era uma vergonha o pai estar a dormir. E ele mandava-me dormir também, porque teria de fazer força dali a umas horas – ia ser lindo, dormir durante o trabalho de parto! Aproveitei para ligar à minha mãe, que ficou logo num pranto, e mandar mensagens às pessoas que pediram para avisar independentemente da hora. Foi quando entrou uma das enfermeiras, a mais querida, e que me fazia lembrar a minha mãe (“Minha querida, ninguém imagina que custe tanto, não é?") e o Z. deu um salto do cadeirão. “Você é polícia, não é?”, olhámos um para o outro, de onde seria que ela o conhecia (apesar de ser da GNR). Parece que lhe reconheceu o salto e a posição de descanso, porque o marido é polícia, e ainda deu para nos rirmos um bocadinho.
Para além de não querer que a moça fosse prematura também gostava de chegar às 37 semanas para que fosse o meu médico a fazer-me o parto, ali naquele hospital (Lusíadas). O meu pequeno raio de sol não estava incluído no meu seguro e o do Z. não tinha acordo com o hospital – caso precisasse de incubadora, poderia chegar aos 400€/dia, o que não era uma hipótese a ter em conta sequer. E ali estávamos nós, mas o meu médico não – não atendia o telefone. Mudou o turno e a médica de serviço veio apresentar-se e dizer-me que já tinha falado com ele, tinha ido passar o fim-de-semana fora e tinha deixado o telemóvel no carro, pedia muitas desculpas e assegurava-me que estava em boas mãos. Vamos a isso. Estava com 6,5cm de dilatação, ela decidiu avançar com o processo e pôr qualquer coisa no soro. Numa hora cheguei aos 9cm, e já tinha toda a equipa ali, à espera que o colo do útero se apagasse. Levei mais umas doses de epidural sem perder nunca a sensibilidade, só a dor. Olhei à minha volta – tirando o facto de o meu médico não estar ali, tudo era como imaginei. Talvez por ver tantas Anatomias de Grey, sempre tinha imaginado a sala assim. Confesso que só me assustei quando, a meio do processo de preparação, despejaram uma caixa cheia de tesouras para cima da maca ao lado. Pois, ia ter uma criança. Ia haver cortes. Mas eram mesmo necessárias tantas? Estava tudo à minha volta, o Z. ao meu lado, a dilatação completa, o colo do útero apagado, era altura de fazer força. Esperar por uma contracção, "Agora!" – e eu lá fazia, enquanto agarrava aqueles ferros de lado e os puxava como se remasse. Lá para a quarta contracção já toda a gente via a cabeça da minha filha menos eu – a médica (“Na próxima faça mais força, olhe, ela já está aqui, estou a penteá-la!”), as enfermeiras (“Já dá para fazer penteados!”), o pediatra que passava à porta (“Tanto cabelo!”). E eu a preparar-me para a contracção seguinte porque me disseram que tinha de ser mesmo naquela ou tínhamos de passar a outro plano. “Agora!” – e nem elas deviam estar à espera que eu fizesse tanta força, porque, de repente, só me diziam “calma, calma”, e foram todas apanhá-la. Depois, depois foi aquele momento em que as palavras deixam de contar, em que o tempo pára, em que percebemos que nos tiraram um bocado nosso e que este agora vai ser sempre do mundo também. Naquele instante, naquele momento em que a meteram em cima de mim, só consegui rir, rir muito, para aquela pequenita que já saiu a chorar em força, e que me olhava de olho bem aberto – foi nesse instante (talvez tenha sido logo em Abril, quando soube que ela existia) que me roubou o coração. 30 minutos a ser cosida (ai os pontos, caramba, os pontos, que ainda não me deixam sentar nem dormir, e que para serem tirados também nos deviam dar epidural!), pequeno raio de sol a ser examinado (2,800kg e 47,5cm), voltou para cima de mim para o ‘corpo a corpo’, e, depois de devidamente vestida pelo pai, lá seguimos para o recobro. Pensei que tinha de contar à minha mãe que me tinha portado muito bem – não chorei, não gritei, não disse asneiras, colaborei em tudo. Ela ia ficar orgulhosa. Sou tão mariquinhas que sempre pensei que ia fazer tudo isso, e ela ralhava comigo, “Tens de ajudar, de cada vez que gritas o bebé sobe, isso era uma vergonha” – e eu soube que ela nunca poderia ser a minha acompanhante no bloco, não a queria desapontar!
Até às 13:00, altura em que nos levaram para o quarto, esteve de olho aberto a olhar para mim e eu a tentar que ela mamasse. Não nos chateámos nesse instante, estávamos apenas a conhecer-nos, a apaixonar-nos. Só nos ‘chateámos’ mais tarde – depois das visitas, depois de um dia intenso, a rapariga continuava sem comer. O nome não poderia ter sido melhor escolhido, a minha (nossa!) Bela Adormecida repousava num sono profundo, e nem se lembrava de comer. Valeu-nos a paciência do pai, que pôde pernoitar connosco no hospital durante o tempo que lá estivemos (devia ser obrigatório em todos os hospitais, como é que se pode ficar sem o pai? Não sei!). Eu, pelo contrário, nem dormi. Fiquei ali, de olho muito aberto, a contemplar toda aquela perfeição. Como era possível eu (nós!) ter feito tudo aquilo. E pensava em como a amava já tanto, e pensava em todos os medos que o amor traz com ele. De cada vez que fechava os olhos vinham-me à ideia coisas terríveis, e o sentimento de perda era tão grande que as lágrimas corriam cara abaixo, mesmo estando ela ali ao meu lado, na minha cama, de mão dada comigo. Se na primeira noite em que lá estivemos a moça esteve de dieta, na segunda mamou das 00:00 às 04:00, e não parecia satisfeita. O cansaço já era tanto que adormecia ela, depois adormecia eu, depois acordava em pânico com medo dela estar a sufocar, e íamos alternando até que resolvemos chamar os enfermeiros. Foram sempre incansáveis connosco, chegaram a estar lá uma hora, cada um deles, a ensinar-nos truques, a estimulá-la, a lutar. Nunca falaram em biberão, em desistir, em suplementos. E, até ver, conseguimos. Continua Bela Adormecida, continua a precisar que a acordemos de 5 em 5 minutos, continua a precisar que o despertador toque antes da hora da mama para que a comecemos a acordar, ou a precisar de trocar de fralda antes de cada mamada para despertar, mas, passados 9 dias, já tinha recuperado o peso perdido e ganho mais 50 gr. E isso deixou-me (nos!) feliz, pois claro. A felicidade agora depende quase por completo dela. Quando mama na língua, quando faz aqueles meios sorrisos, quando faz muita força com a cabeça, quando agarra um dedo, quando faz uma careta, quando suja a fralda, quando faz uma boa pega, quando nos olha de olho bem aberto, quando dorme profundamente, eu (nós!) sou mesmo feliz. Para a felicidade se instalar cá em casa precisa apenas de, por exemplo, ver um cocó da Bela Adormecida – mesmo que sejam só 4 da manhã. E mesmo as coisas dolorosas são perfeitas – dar de mamar não é fácil (mamilos gretados, subida do leite, …), mas quando ela está a fazê-lo bem, a agarrar bem, a puxar bem, e fica ali a mamar de olhos abertos em direcção aos meus, não consigo deixar de chorar de felicidade. Às vezes nem é preciso tanto – basta tê-la no meu colo, mesmo de olhos fechados, só a sentir a respiração dela, as bochechas, a ver aquele queixo perfeito, para que as lágrimas caiam e o meu coração fique apertadinho.
Faz no domingo 15 dias que, como disse um amigo meu, “saí de casa de mãos vazias e regressei com o mundo nas mãos”. E podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a contar. Tenho feito por registar todos os pontos altos dos nossos dias para que nada fique esquecido, mas todos os meus dias com ela são agora pontos altos. Tenho feito por aproveitar cada pequeno momento com ela – desde dia 24 que não há séries, televisão, livros, ..., o meu canal agora só dá Pequena A.. Na maior parte das vezes nem sei do meu telemóvel, e ainda hoje o Z. foi dar com ele numa gaveta da casa de banho. Sempre gostei de miúdos, mas não tenho um jeito natural para os cativar ou cuidar deles, como tem a minha irmã, por exemplo. Se começassem a chorar no meu colo provavelmente ia passá-los para o da mãe. Mas agora a mãe sou eu, sou eu que devo ter nas minhas mãos, no meu colo, na minha vida, o controlo remoto das emoções, da vida da minha pequena. E assusta-me que não esteja à altura. Apesar dos cursos, dos conselhos, só quando ela entrou em casa connosco é que começou a verdadeira aprendizagem - até de uma coisa tão simples quanto mudar uma fralda - a última tinha sido à minha afilhada, que já faz 16 anos no dia 1 ("- L., ela tem cocó. - Deixa ver. - Já que estás aqui não queres mudar?" - E assim se safa o pai, apesar de já ter tido de saltar para o lado, mesmo à filme, para escapar a um que veio de esguicho durante uma troca). Todas aquelas coisas que passamos a vida a ouvir, “o mundo muda”, “não há nada igual”, “é um amor sem fim”, “quando fores mãe logo vês”, fazem agora sentido. Conhecê-la foi, ao mesmo tempo, conhecer o maior amor do mundo e o maior medo também. A maior alegria e o maior aperto. E eu podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a dizer. Mas já faz uns 5 minutos que não a aperto e não lhe dou um beijo na bochecha vermelhinha, ou no queixo mais que perfeito e isso, em tempo de mãe, é uma eternidade.
Pois é, parece que sim. O meu mundo mudou. Não há nada igual. É um amor sem fim. Sou mãe.


Curiosidades sobre este dia:
- A madrinha e o namorado comemoraram 7 anos de namoro! É uma vida, tendo em conta que começaram aos 16 anos!
- Esteve um dia de sol lindo. Estava frio, mas um sol forte que nos conseguia aquecer por dentro. E foi assim também nos dias seguintes.
- Na noite de sábado, a avó S. escreveu no facebook que queria ser avó no dia seguinte, só por ser aquele em que íamos ficar todos mais descansados. E foi mesmo. Nunca duvides do poder das palavras de uma mãe!
Terça-feira, 19 de Novembro de 2013

.Da gravidez

Quando tive a consulta das 28 semanas não ia preparada para o desfecho final. Sim, duas semanas antes, na Curia, tinha sentido um embate violento na barriga, quase um acidente de carro localizado, e pensei que a moça tinha dado a volta. Quanto à barriga dura, que toda a gente comentava quando lhe tocava, pensei que era normal. As dores? Não fazem parte da gravidez? Quando me deitei para fazer a ecografia, antes mesmo de me tocar, o médico disse que eu estava a ter uma contração. Acha? Não. “Olhe para o formato, agora toque-lhe, e dói?” – estava quadrada, dura que nem uma pedra e doía, sim, como se um túnel estivesse a ser aberto em baixo. E a moça já encaixada para sair, apressadinha, mesmo sendo filha de dois alentejanos. Esperámos pela consulta uma hora e, nesse período, voltei a sentir aquilo três vezes. Ao Z. bastava olhar para a barriga, com um formato estranho, para perceber isso mesmo. Falávamos disto com o nosso médico quando ele pergunta: “então e o trabalho, está mais calmo?”. Quando, na última consulta, acusou a incisura e lhe expliquei que não podia ficar de baixa porque, na altura, estava sozinha e no meio de um processo chato (nesse dia trabalhei sempre no hospital de pc ligado e voltei ao trabalho até às 22:00), ele não gostou muito da minha resposta, achou que eu estava com as prioridades trocadas, e fez-me prometer que ia mudar o comportamento. Pensamos sempre que somos fortes, que conseguimos fazer tudo, que, mesmo estando grávidas, a vida vai continuar igual e podemos continuar a fazer as nossas coisas sempre da mesma forma. E ali estava a prova que não. “Está de férias e assim? Não queremos bebés prematuros. Vai ficar em casa, e desta vez não há desculpas”. E foi assim que saí dali, de lágrimas nos olhos, por uma série de coisas. Faltar ao trabalho – há dias bons e maus, como em todo o lado, mas gosto de trabalhar e do que faço. Vou ter um bebé, sim, mas esta também é uma parte importante da minha vida, e imaginava-me a trabalhar até ao final da gravidez. Baixa de risco. Palavras estranhas – talvez por conhecer gente que usa baixas, e de risco, sem que façam realmente falta, custou-me. Mas havia a pior parte – eu não estava a fingir, e havia a probabilidade real da minha filha nascer prematura por minha causa. Na médica de família o raspanete foi ainda pior. Tinha de ficar de cama, esforços zero, e mais um sem fim de recomendações. Autorização para sair de casa apenas para consultas e curso de preparação para o parto. E assim estou, desde o início de outubro. Todos os dias, semanas, são uma vitória. Sempre que recebo o email, ao domingo, a dar conta de uma nova semana e do que o meu pequeno raio de sol anda a fazer, é uma felicidade sem explicação. Mas não tem sido fácil. Sempre que saio de casa para fazer qualquer coisa, raras vezes, fico mesmo aflita e percebo que, mantendo a vida que levava, ela já estaria cá fora. Mas são muitos dias em casa. Cansei-me de séries, de livros, de dar um jeitinho às coisas, de arrumar a mala dela, sei lá. Os pontos altos do dia passam por senti-la mexer, comer e esperar que o Z. chegue a casa. O curso de preparação para o parto foi uma boa surpresa, e adorei fazê-lo, conhecer gente, sair de casa, mas durou pouco tempo. Tenho tido ajudas, tantas. A família. A minha mãe, pobrezita, tem vindo cá todas as semanas, às vezes mais do que uma vez por semana, trazer-me doses extras de mimo e de um sem fim de coisas, e ainda mais surpresas. Esta semana trouxe-me as avós e a afilhada, e fez-me chorar – já não as via há quase dois meses, tantos dias sem ir ao meu Alentejo. O pai, sempre preocupado e a arranjar-me coisas para me distrair. As avós, a mana, sempre a ligarem e a mandarem mensagens. A madrinha, sempre preocupada e a fazer-me companhia quando pode, e a ralhar quando me vê a abusar (ou não!). Os amigos. A T., a Ce., a In., a Car., a Ve., a Li., a Al., a prima Mi. – sempre com um bocadinho para mim, quer seja no facebook, no telemóvel ou numa visita. E uma especial, a A. e o meu sobrinho pequenito, que amanhã já faz três meses. São mais de 10 anos de amizade, 6 de trabalho diário conjunto, e agora até somos vizinhas. Ajudamo-nos no que podemos e uma vez por semana temos conseguido estar juntas, o que é um balão de oxigénio para os dias seguintes – aprendo a vê-la com o pequenito, vemos roupas, tralhas de bebés, conversamos sobre tudo e comemos, o ponto alto! E o meu Z., que tem sido um pai e um namorado incansável. Até a tábua de passar a ferro pendurou num sítio bem alto para que eu não a consiga tirar. E deixa-me fazer o dia da pizza e comer gelado de chocolate belga sem ralhar muito (não é o mais saudável, mas nunca senti tanta necessidade de açúcar e isto está controlado, engordei 8,5kg desde o início). Depois há os dias mais difíceis, em que as dores se tornam insuportáveis e me fazem esquecer o tédio que é estar tantos dias sozinha em casa. Como no sábado, dia 9, quando pensámos que a hora tinha chegado. Não conseguia estar sentada, não conseguia andar, perdia a força, já contávamos as dores mais fortes no relógio, rebolava com a bola de pilates, fazia as posições de relaxamento e a respiração como aprendemos no curso. Foram 4 noites assim – quando me deitava as coisas sossegavam um bocadinho, mas ao anoitecer era terrível. E foi assim que me vi obrigada a seguir o conselho da médica de família – cama. E a moça sossegou. Já estávamos a chegar tão longe, não podíamos ficar por ali. Estar muito tempo em casa faz-nos procurar e ler coisas que muitas vezes nem devíamos saber, e eu não queria (quero) que ela comece a vida numa incubadora, nem tudo o que isso implica. A minha mãe diz que agora sabemos de mais, e talvez seja verdade – ela tem sempre razão. Ontem foi dia de consulta – estava na sala de espera, sentada, quando comecei a sentir contrações mais fortes, com mais dores, fiquei sem força nas pernas, não conseguia andar, e comecei a ver tudo andar para trás outra vez. Ali fiquei de pé, amparada pelo sofá e pelo Z., até me chamarem, e na consulta continuei de pé. Parece que o colo do útero ainda está fechado, mas a rapariga já desceu bastante. Saí dali para fazer mais uma análise importante para o parto e o meu primeiro CTG, que acusou várias contrações altas. Antes de sair de lá levei uma injeção para a maturação pulmonar da moça, e hoje volto lá para levar outra, caso ela decida nascer esta semana, e as ordens são para estar de cama. Ontem jantei deitada, sempre com dores, sempre com contrações, a fechar bem as pernas para que ela não ‘caia’ antes da hora, e a perguntar-me o que mais posso fazer para que ela se aguente só mais esta semana. A noite foi terrível - nem consegui dormir, tantas eram as preocupações. Se aguentar até domingo, deixa de ser uma bebé prematura, e isso é tudo o que eu mais quero. Não tem sido fácil, nem como imaginei. Ser mãe é mesmo uma preocupação desde o instante em que sabemos que o vamos ser. Se conseguimos chegar às 12 semanas, quando começará a mexer, depois disso vem o ‘porque será que ainda não mexeu hoje’, se tem tudo no sítio, se não tem doenças, se não vem antes da hora, sempre a desejar que chegue a próxima ecografia/consulta, … . Mas, como diz o meu grande amigo Car., “se fosse fácil não era para nós”. Ontem, depois do CTG, enquanto esperava que me trouxessem a injeção, ali ao lado do bloco de partos, passaram com uma maca com uma mãe e um recém-nascido. Ela tinha um ar muito cansado, estava branca, ele ia nos braços dela, muito agasalhado, de gorro, ainda muito inchado e com manchinhas. Não pude deixar de olhar, e ela fez-me o maior sorriso do mundo e piscou-me o olho. Não é que eu tivesse dúvidas, mas naquele instante tornou-se tudo muito claro. Qual sofrimento, qual cansaço – quando chegar a hora (só mais uma semanita, por favor!), quando a tiver nos meus braços, nada mais vai importar, e tudo, mesmo tudo, vai ter valido a pena.

 

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