Domingo, 30 de Maio de 2010

.A dança [Ficções II]

Quando pensava nele, a imagem era sempre a mesma: imaginava-o nos seus braços, no bailarico da aldeia, a abrir espaço por entre outros pés, com os dois corpos colados, um meio sorriso que prendia a língua entre os dentes e o olhar preso no dela. Esta era imagem que nascia na cabeça dela sempre que o nome dele era dito, ainda que o fosse só no silêncio dela. E era uma imagem tão forte que deixava a cabeça e descia até às mãos, até aos pés, como se as mãos dele tocassem nas dela naquele momento, como se os pés dos dois se mexessem ao mesmo ritmo sem nunca se tocarem, seguindo um caminho não discutido mas sem falhas. Na cabeça dela, dançavam os dois em danças sem fim. E nesses momentos ela sentia que era só nesse mundo que podia encaixar, só aí que podia dançar a noite toda. Todas as noites. E enquanto dançava assim, sem que houvesse outro mundo lá fora, como se não precisasse que as mãos e os pés a guiassem, tentava entrar dentro daquele olhar e perceber o que a mantinha assim, o que a fazia não falhar um passo ali enquanto falhava tantos outros. E não percebia. Não sabia o que ele lhe podia dar. E depois, por vergonha, baixava os olhos e deixava-os parar nas mãos dele que tamborilavam nas dela. E pensava no que lhe podiam dar aquelas mãos, se seriam fortes o suficiente para a agarrar, e quando achava que sim ele soltava-a e fazia-a rodar sobre si, e era aí, nessa volta, que percebia que não estavam sozinhos, que outros pares dançavam em ritmos diferentes, que outras pessoas tentavam puxá-los também a eles para outras danças. Mas a volta terminava, ele voltava a agarrá-la, a prendê-la com as mãos que ela gostava desde o início ao fim, e tudo voltava a bater certo. A bater certo? Pensava ela. E já não sabia o que era certo. E ouvia vozes, muitas vozes. Umas diziam que sim, outras diziam que era só uma dança, que havia de parar e depois já não haveria lugar no mundo dela onde conseguisse encaixar, onde pudesse sentar-se e descansar. E ela pensava. No olhar, nas mãos, nos pés. Dele. Só uma dança, repetia. E por essa altura, na cabeça dela, já dançavam os dois. Sem mãos que os prendessem, só com o olhar que ela não sabe interpretar a prendê-los, a conduzi-los naquela dança que a ela sabia a perfeição. E se fosse só a ela? Ela não sabia. Mas continuava a dar-lhe a mão com força, a mexer o pé ao mesmo tempo que ele, a ter medo sempre que ele a soltava para rodar, a devolver-lhe um olhar que prendesse o dele sem dúvidas. Não era só uma dança. Era a dança.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lá fora: A minha mãe: "A culpa para os casamentos correrem mal é dos computadores. Eu e o J. não tocamos nessas coisas, tocamo-nos um ao outro"

L. às 14:21
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Terça-feira, 23 de Março de 2010

.Ficções

 

Para o meu primo F., que ontem, no meu regresso ao Messenger, me fez prometer que, um dia, vou escrever um livro e tentar ultrapassar o estigma que um dia herdei de Luiz Pacheco, “Não tenho imaginação, o que escrevo é a minha vida”. E assim se inaugura uma nova tag, Ficções. Minhas. Serão realidades de outros, de outros tempos. Afinal, não estão todas as histórias do mundo já contadas?

 

“Irrita-me a maneira como justificas as tuas coisas. ‘Tendo em conta o que fiz um dia, não vai correr bem’, ‘Achas que me vou fartar de ti um dia?’, ‘Um dia posso partir para não dizer mais nada’. Provaria que és uma pessoa sensata, digo-te. Enquanto tento esquecer os meus medos, esmagá-los com a mesma força com que te aperto nos braços e colo os meus lábios nos teus. Um dia vai aparecer alguém que não te fará pensar no passado, mas só nos dias que virão. Eu não consigo. Mesmo gostando assim de ti. Tentamos arranjar respostas, nomes, para aquilo que somos quando estamos juntos. Refúgio não. Não gostas, não queres. Chamas-me refúgio, dos teus dias, a mim. E eu também não gosto. Talvez não queira também. Compasso. És tu que marcas o compasso dos meus dias. Pode ser?  Saio de perto de ti, de ti, com um só pensamento. Chega. Nada de vícios, nem de descompassos constantes. Nada de tentar perceber o que se passa dentro de ti. Esquecer-te. Mas isto é num instante. No outro, tento perceber se é por saberes tão bem o que sou para ti que não queres que gaste as mesmas palavras contigo. Tento perceber-te. Refúgio. Sou apenas isso, percebo. Nem o teu beijo, tão nosso, que encaixa do princípio ao fim, me dá respostas. Um dia penso que as tenho todas, no outro não sei de ti. Quando eu as encontrar, penso, talvez já não sejas o Norte que me orienta. Talvez eu nunca tenha orientado os teus dias. Um dia posso partir para não dizer mais nada. Sou uma pessoa sensata?”

Lá fora: “Mas eu sou de letras / não me sei dividir.”
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