Quinta-feira, 2 de Janeiro de 2014

.2014

Vi no outro dia uma entrevista em que o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho dizia que todas as relações, todo o amor, têm de ser trabalhados – o simples facto de alguém ser da nossa família não nos obriga a gostar dessa pessoa, ninguém vem com um salvo-conduto para o amor. E eu percebi, uma vez mais, como sou sortuda. Sim, todos nos esforçamos, sem esforço, para sermos o melhor possível uns com os outros – vejo isso, por exemplo, nas ervilhas com ovos que a mãe acabou de deixar na minha bancada, ou na viagem que os pais acabaram de fazer só para trazer uma coisa à Aurora. Sim, esforçamo-nos sem que nos custe, porque gostamos, e essas acções fazem-nos gostar mais uns dos outros, mas já eram, antes dessas acções, pessoas facilmente ‘gostáveis’, aquelas a quem chamo família. Depois chegou a minha vez de construir a minha família, e de um amor que era já maior do que aqueles que conhecia, conseguimos fazer nascer um ainda maior, e engrandecer o nosso. A pessoa que escolhi, ou que me escolheu, para partilhar os dias tornou-se ainda mais gostável – para além de ser a minha pessoa preferida, é agora também o melhor pai do mundo (ao nível do meu), presente em tudo, disposto a partilhar tudo, mesmo uma fralda com cocó às 04:00. A razão de tudo isto, da nossa felicidade, tem agora uns 50 cm e talvez uns 4kg. Para mim, é a bebé mais bonita, mais perfeita do mundo. Já a amava antes de a conhecer, mas há pouco mais de um mês, quando saltou de dentro da minha barriga para cima dela e cruzámos o olhar pela primeira vez, conseguiu não só ocupar todo e qualquer espaço livre que havia no meu coração, como construir mais mas quantas divisões para se alojar lá também. Pequena Aurora veio com salvo-conduto para o meu amor, para o meu coração, para a minha vida. Usei uma passa para este desejo há um ano atrás, sem fazer a menor ideia do que tudo isto significava afinal. Do quão especial, grande, pleno é. Não sei o que 2014 ou o futuro nos reserva. Sei que 2013 me mostrou, sem o esperar, um amor maior do que tudo, que hoje é sempre maior do que era ontem, e que essa é a maior motivação para desejar sempre um amanhã. Um amanhã com todas estas pessoas da minha vida – tenho a sorte de lhes poder chamar família. Feliz 2014. Que seja cheio de amor.   

L. às 18:05
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Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2013

.(má) Mãe (II)*

 

Na próxima semana o meu pequeno raio de sol já faz um mês. E eu descubro todos os dias, desde que ela nasceu, que sou uma má mãe, que não estou preparada para isto ou que não faço as coisas bem. Na maior parte das vezes não sou eu que chego a esta conclusão, fazem questão de mo dizer. Sempre me disseram, logo na gravidez, que toda a gente vai ter alguma coisa para nos dizer em relação à nossa criança. E eu tive esperança que fossem coisas boas, conselhos bons ou que me permitissem decidir se seriam ou não bons, mas não, chegam como verdades inquestionáveis sem qualquer hipótese de escolha para mim. Ainda não tinha passado uma semana quando comecei a descobrir tudo isto. Uma só visita fez-me ver que eu deitava a minha filha mal (isso não é assim, é de lado!), que amamentava mal (deitada? Isso não é assim!), que os soluços não eram afinal uma coisa normal (começou a gritar à rapariga para que passassem), que tirá-la do quarto só com mantinhas porque afinal ainda tinha só 5 dias e a diferença de temperatura era muita era um disparate (dá cá a rapariga! – e levou-a para a divisão mais gelada da casa sem qualquer protecção) e que afinal não se dá de mamar a um recém-nascido quando ele pede (mas já vais dar mama outra vez? Não pode ser sempre que ela quer). Que toda a equipa do hospital, pediatra e enfermeira de família mandem deitar de barriga para cima com inclinação, que os pontos me doessem ao ponto de não me conseguir sentar, que todos os que a acompanham digam que os soluços são bom sinal e que devemos prevenir todas as constipações agora que é tão pequenina, que nos mandem alimentar a criança sempre que ela pede, isso não conta para nada. Sou má mãe. Até eu, que nem sequer me tinha preocupado com a balança ou em olhar-me com mais detalhe ao espelho, estava, afinal, muito mal. “Ficaste muito gorda, olha para essa barriga”, disse-me ainda. Sem se preocupar com as hormonas, com os blues, com a educação e sei lá mais o quê. Olhei para baixo, pois, talvez ainda conseguisse passar à frente no supermercado. Fiz um sorriso amarelo, e expliquei que só tinham passado 5 dias. Saí do quarto e fui direitinha à balança – tinha mais 2,600kg do que quando tinha engravidado. Parece que isto era, afinal, uma coisa má. Depois vieram as cólicas. E a culpa também é minha. Porque como coisas que fazem mal. De cada vez que falo com alguém sobre o tema, ou que vem alguém cá a casa, mandam-me retirar um alimento da minha ‘dieta’. Não comas cebola, nem couves, nem brócolos, nem laranjas, nem limões, nem bebidas com gás, nem feijão, nem grão, nem chocolate, nem sei lá mais o quê. Antes de sair do hospital foi a única coisa que me lembrei de perguntar à equipa de lá – o que devia comer ou não nesta fase da amamentação. Que comesse de tudo, responderam-me, evitando apenas o café e os chás preto e verde, por causa da cafeína, que os deixa agitados. Voltei a perguntar às duas pediatras onde já fomos e no centro de saúde. Que não existem provas cientificas de que este ou aquele alimento provoquem cólicas, simplesmente o estômago deles ainda é muito imaturo. E só se eu reparar que alguma coisa me faz mal a mim é que devo evitá-la, porque também lhe vai fazer mal a ela. Mas eu sou má – como verdes e coisas que só lhe fazem mal. Má mãe. E as covinhas do pescoço? Caramba! Sempre com coisinhas brancas. Mas eu não limpo aquilo? Não lhe dou banho? A rapariga mexer-se, e estar embrulhada em mantas, e a vida, sei lá, não contam. Sou má mãe, não trato da higiene da minha filha. E depois voltam os soluços. Pés frios, dizem-me. E eu olho para ela – temos o aquecedor sempre ligado (às vezes mudamo-la de divisão e abrimos as janelas para o ar circular, calma!), tem um baby-grow, um body, umas calcinhas, umas meias polares, dorme embrulhada numa manta, dentro de um saquinho cama, com mais uma manta por cima e a cobertura da alcofa, e o pai ainda fez questão de comprar um mini saquinho de água quente que mete lá dentro quando ela mama ou muda a fralda. Pés frios? Mas os soluços não são uma coisa normal? Ainda que as teorias tanto digam que pode ser do processo de desenvolvimento ou do estômago que, quando está cheio, dilata e toca no diafragma provocando os ditos. É uma coisa normal, voltou a dizer-nos aquela gente toda que tirou cursos de saúde mas não percebe nada do assunto, que afligem mais os pais das crianças do que os pequenos. Pois, sou má mãe, não aqueço a minha filha. É então que lhe metem um bocadinho de lã com saliva na testa para eles passarem. Eu estremeço – os soluços não lhe fazem mal, já aquela saliva não sei! E ela não está muito amarela? Sim, um bocadinho, a famosa icterícia. Mas só na cara. Aquecemos o quarto, tiramos-lhe a roupa, deixamo-la apenas de fralda e gorro, e faz uma espécie de solário caseiro. Explicaram os médicos que devemos fazer assim e que é perfeitamente normal numa criança apenas de peito. Não, não é assim. Maus pais. Soro fisiológico pelo nariz em esguicho para desentupir? Não se vê que estamos a fazer mal à criança? Somos tontos? Mas foi assim que a pediatra mandou fazer. Ando eu a gastar dinheiro com uma pessoa que, afinal, não sabe nada! Dou banho antes ou depois dela comer? Mudo a fralda antes ou depois dela comer? Qualquer que fosse a minha resposta, tenho a certeza que eu não ia acertar. Umas vezes dou antes outras depois – depende. Mas não se preocupem, se for depois, esperamos que passe uma hora, não por causa da temperatura mas para não a agitar muito, como explicou a pediatra. Ai, espera, afinal a pediatra não sabe nada. A fralda depende, depende de tantas coisas todos os dias. Nós próprios mudamos todos os dias porque nos adaptamos à nossa filha – não é assim que se faz? Sabemos que, normalmente, depois de mamarem sujam a fralda, mas se ela não acorda para mamar, ou se adormece a meio do processo, mudá-la com uma compressa e água mais fria é o melhor para despertá-la. Água fria? Sou a pior. E aquele arranhão na cara? Mas eu não percebo que tenho de lhe cortar as unhas? A miúda foi logo sair ao pai nesse pormenor, e saiu com as unhas dobradas, coladas na cabeça dos dedos. Apesar de estarem assim, cresciam nos cantos, e eu ia limando, mas só na primeira semana consegui ‘descolá-las’ lá de cima e cortar melhor. E corto todos os dias, porque os cantos continuam a crescer mais depressa, e são mais finos, quase como papel, e arranham – eu sei, o meu peito, cara, cabelos, também sabem. Como é que eu não me lembrei de lhe cortar as unhas? Que má mãe.

Não fazemos tudo bem, eu sei. O primeiro banho cá em casa foi uma coisa aterradora. Parecíamos duas baratas tontas. Ainda não tínhamos feito a instalação completa no nosso quarto, eu corria ao quarto dela para ir buscar as coisas, o Z. passava-se comigo porque queria que eu visse a temperatura da água antes que arrefecesse, acabámos por discutir. A minha mãe, que veio passar aqui uns dias connosco a seguir ao nascimento (obrigada, obrigada, foi fundamental!), olhava para nós serenamente, e não sei como não bateu com as nossas cabeças uma na outra. Em nenhum instante nos julgou, nos fez sentir mal ou maus pais. E, quando tinha alguma coisa a dizer, fazia-o com jeitinho – “agora dizem para fazer assim? Na minha altura diziam para fazer assado”. Obrigada mamã, por ser assim e me ensinar a ser assim. Ter um filho é uma aprendizagem constante. Quando o despertador toca a meio da noite e mal consigo ter os olhos abertos para dar de mamar, quando dou por mim a adormecer também a meio do processo, também acho que sou má mãe. Às vezes chego a esquecer-me de qual foi a última mama ‘usada’ (coisa de mãe má!) – ao início, a conselho do Z., baptizei-as, eram a ‘mama 1’ e ‘mama 2’. E fazia uma chamada para mim própria com a hora do começo da mamada e o número da mama. Depois o Z. descobriu a aplicação da Nestlé, que devolveu ao meu peito a dignidade. Mas até aí sou má mãe – na tentativa de saber quanto tempo mama a minha filha deixo o telemóvel muito perto da cabeça dela! Tantas vezes dou por mim sem saber de mim própria. Nem sempre consigo tomar um bom banho todos os dias. Já cheguei a estar 4 dias sem o fazer, é verdade. Quando tenho alguém que fique com ela ou quando ela está mais sossegada, fico uma meia hora debaixo de água (com o intercomunicador na casa de banho e ela na alcofa, calma!), passo todos os cremes a que tenho direito, e depois fico a achar que a pequena nem me vai reconhecer porque, para ela, sou ainda e só uma vaquinha leiteira com cheiro a queijo fresco (ou leite azedo). Mas isso há-de ser uma coisa boa, espero eu – fiquei a saber através de uma amiga que, no curso que ela frequentou onde juntaram todas as mães da preparação para o parto já com os bebés, e que devem ser umas 20, apenas ela e outra mãe estão a amamentar (os bebés têm cerca de 3 meses). Todas as outras desistiram na primeira semana porque era muito difícil. Não julgo ninguém (que bom que era que não me julgassem a mim!), e sei que a amamentação não é apenas uma necessidade e um benefício para os pequenos, mas também uma escolha pessoal. E é difícil, pois é, mas nunca me passou pela cabeça desistir – dói ao início, pois dói, é difícil ela pegar, pois é, a subida do leite é tramada, se é, mas vamos lá a isso. Espero não ser uma má mãe aqui também. Quando me vejo ao espelho despenteada, de pijama quase todos os dias, com o buço grande, as sobrancelhas por fazer, os pelos das pernas enormes, as unhas dos pés quase a furarem as meias, nem sempre me reconheço, mas estou ali, a tentar dar tudo pela minha filha, sem me esquecer de mim e do Z..

Depois vamos à pediatra, ou ao hospital, ou ao Centro de Saúde, como hoje, e parece que está tudo bem. Dizem-nos que a rapariga cresceu 2cm, que aumentou 500gr em dez dias, que tem a pele bem, o umbigo espectacular, que não há forma de evitar as cólicas, que é tranquila e isso é um reflexo dos pais que tem, que parecem sempre muito tranquilos e à vontade com ela. E eu fico feliz. Que nos julguem os outros, que nos achem maus pais. Parece que nem tudo está perdido. Sou má mãe, deixem lá. Mas a pequena está bem. E eu nunca fui tão feliz.

 

*Se se encontrarem neste texto, não me levem a mal. Tentem lê-lo com algum humor e pensem que ainda andam por aqui muitas hormonas à solta! Se e quando forem mães vão entender…

Sexta-feira, 6 de Dezembro de 2013

.Mãe

Foi um sábado tranquilo, de contagem decrescente para a entrada nas 37 semanas. O mano do Z. e a namorada vieram passar o fim-de-semana a nossa casa e, para além de comermos (a M. trouxe tarte de amêndoa, queijos, chouriços, e uma caixa enorme cheia de miniaturas de salgados), passámos o tempo no sofá. Almoçámos picanha, mas o jantar foi bem mais saudável, douradas e robalos, e voltámos ao sofá. Eu tinha algumas dores, pois claro, o normal, e já passava da uma quando resolvemos ir para a cama. Acordei às 04:30 com vontade de ir à casa de banho. Ainda estive lá algum tempo, mas, tendo em conta os calores com que andava, estava só com a blusa do pijama e comecei a gelar. Ia a voltar para a cama quando percebi que estava húmida – fiquei irritada comigo, tanto tempo na casa de banho e ao chegar à cama é que tinha resolvido perder o controlo da minha bexiga. Talvez fosse corrimento, pensei. Depois vi e não era. No curso ensinaram-nos que o líquido amniótico se confunde com a urina e não com corrimento, por isso tinha duas hipóteses: ou a bolsa tinha rebentado, ou a minha bexiga estava mesmo descontrolada. Peguei no telemóvel para tentar perceber o que tinham sentido outras pessoas quando lhes tinham rebentado as águas, mas não foi preciso procurar muito. Aquilo continuava a sair, aos poucos, e eu começava a perceber que o grande dia tinha chegado. Não pude deixar de me rir – pedimos-lhe tantas vezes que se aguentasse até dia 24, e a rapariga foi obediente. Eram 04:40 de dia 24, e aí vinha ela. Soubesse eu que era assim e tinha pedido de outra forma, que viesse só no dia 15 de Dezembro. Era esse o pensamento de toda a gente – depois de passar esta fase de maior preocupação, eu ia acalmar, ela também, e provavelmente o parto até teria de ser provocado. Eu não sei o que pensei. Não queria que ela fosse prematura e queria que viesse saudável. Ela esperou – pelo dia que pedimos, que o padrinho viesse ver-nos ainda ‘grávidos’, que a madrinha tivesse um fim-de-semana de folga para poder vir vê-la logo que nascesse, que o primo F. viesse de Faro (viu-nos grávidos no sábado, e no domingo viu-a na maternidade), que o pai estivesse em casa para nos levar à maternidade (já tinha imaginado ir de táxi), que os avós maternos tivessem a loja fechada. Só não conseguiu esperar pelos avós paternos porque resolveu nascer na altura em que as ovelhas começaram a parir também. Mas nunca vamos poder dizer-lhe que foi desobediente. Acordei o Z. e disse-lhe que preparasse as coisas enquanto eu tomava um banho porque estava na hora. “De certeza? Não… Volta a descansar” – voltei a abaná-lo, tinha a certeza. O rapaz preparou a mala de ‘paternidade’ em 5 minutos (“Demoraste tu semanas a preparar a de maternidade!”, dizia-me), encheu um saco com as miniaturas da M., e bateu à porta do quarto de hóspedes para avisar o irmão, “Olha, nós vamos ao hospital, mas deve ser falso alarme”. Falso alarme? Rebentaram-me as águas! Respondeu-me que não queria preocupar o rapaz. E lá fomos. Ou íamos, ainda tivemos de voltar para trás porque percebemos que não tínhamos deixado nenhuma chave em casa e não levávamos casacos.
Não vou mentir. As contracções são terríveis, do pior que já senti. Sei que pensei isto na altura, mas agora, já com alguma distância, não sei bem quantificar. Dores paridas, dores esquecidas, sempre ouvi dizer. Comecei a senti-las no caminho (sempre pedi para que a bolsa rebentasse primeiro para eu saber quando ir para o hospital, se tivesse de contar contracções e minutos não me orientava!). Dei entrada no hospital a meio de uma contracção, nem sei bem como falei com a rapariga. Sei que tive outra no elevador que nos levou até à urgência de obstetrícia. E depois veio a enfermeira, a fazer-me um monte de perguntas com toda a calma do mundo. Pois, era preciso, mas eu precisava mesmo era de qualquer coisa que parasse aquelas dores. Foi quando veio a médica, uma senhora já com uma certa idade, que eu já tinha visto por lá, e que toda a gente dizia que era uma querida. E era, só me dizia “Pobrezinha, a menina está cheia de dores, não está?”. Mandava-me sentar, e eu, com aquela voz arrastada, enquanto alternava entre apertar uma cadeira ou segurar-me na parede, lá lhe explicava que estava melhor de pé. E lá veio o famoso e doloroso ‘toque’. Não vou mentir - doeu! Confirmou-se, a rapariga vinha aí, no dia em que completava 37 semanas. “Devia aguentar-se mais tempo, mas agora não há nada a fazer, ela já decidiu”, sossegava-me a médica. E lá fui eu para o bloco de partos, e lá veio a anestesista dar-me a epidural (“tem a curvatura ao contrário, 1, 2, 3, espere, 1, 2, 3, …, é agora”). Perguntou-me se doía - quando uma pessoa está a preparar-se para o parto, ou já em trabalho de parto, todas as outras dores são relativas. Uma picada nas costas era quase uma massagem. E foi aí que cheguei ao céu. Dor, qual dor? Nada. Sentia uma ligeira impressão a cada contracção, mexia as pernas, falava com o Z., que entretanto já estava equipado ao meu lado, mas dores, nada. Um verdadeiro milagre! O Z. acabou por adormecer, ali no cadeirão ao meu lado, e eu só lhe dizia que era uma vergonha o pai estar a dormir. E ele mandava-me dormir também, porque teria de fazer força dali a umas horas – ia ser lindo, dormir durante o trabalho de parto! Aproveitei para ligar à minha mãe, que ficou logo num pranto, e mandar mensagens às pessoas que pediram para avisar independentemente da hora. Foi quando entrou uma das enfermeiras, a mais querida, e que me fazia lembrar a minha mãe (“Minha querida, ninguém imagina que custe tanto, não é?") e o Z. deu um salto do cadeirão. “Você é polícia, não é?”, olhámos um para o outro, de onde seria que ela o conhecia (apesar de ser da GNR). Parece que lhe reconheceu o salto e a posição de descanso, porque o marido é polícia, e ainda deu para nos rirmos um bocadinho.
Para além de não querer que a moça fosse prematura também gostava de chegar às 37 semanas para que fosse o meu médico a fazer-me o parto, ali naquele hospital (Lusíadas). O meu pequeno raio de sol não estava incluído no meu seguro e o do Z. não tinha acordo com o hospital – caso precisasse de incubadora, poderia chegar aos 400€/dia, o que não era uma hipótese a ter em conta sequer. E ali estávamos nós, mas o meu médico não – não atendia o telefone. Mudou o turno e a médica de serviço veio apresentar-se e dizer-me que já tinha falado com ele, tinha ido passar o fim-de-semana fora e tinha deixado o telemóvel no carro, pedia muitas desculpas e assegurava-me que estava em boas mãos. Vamos a isso. Estava com 6,5cm de dilatação, ela decidiu avançar com o processo e pôr qualquer coisa no soro. Numa hora cheguei aos 9cm, e já tinha toda a equipa ali, à espera que o colo do útero se apagasse. Levei mais umas doses de epidural sem perder nunca a sensibilidade, só a dor. Olhei à minha volta – tirando o facto de o meu médico não estar ali, tudo era como imaginei. Talvez por ver tantas Anatomias de Grey, sempre tinha imaginado a sala assim. Confesso que só me assustei quando, a meio do processo de preparação, despejaram uma caixa cheia de tesouras para cima da maca ao lado. Pois, ia ter uma criança. Ia haver cortes. Mas eram mesmo necessárias tantas? Estava tudo à minha volta, o Z. ao meu lado, a dilatação completa, o colo do útero apagado, era altura de fazer força. Esperar por uma contracção, "Agora!" – e eu lá fazia, enquanto agarrava aqueles ferros de lado e os puxava como se remasse. Lá para a quarta contracção já toda a gente via a cabeça da minha filha menos eu – a médica (“Na próxima faça mais força, olhe, ela já está aqui, estou a penteá-la!”), as enfermeiras (“Já dá para fazer penteados!”), o pediatra que passava à porta (“Tanto cabelo!”). E eu a preparar-me para a contracção seguinte porque me disseram que tinha de ser mesmo naquela ou tínhamos de passar a outro plano. “Agora!” – e nem elas deviam estar à espera que eu fizesse tanta força, porque, de repente, só me diziam “calma, calma”, e foram todas apanhá-la. Depois, depois foi aquele momento em que as palavras deixam de contar, em que o tempo pára, em que percebemos que nos tiraram um bocado nosso e que este agora vai ser sempre do mundo também. Naquele instante, naquele momento em que a meteram em cima de mim, só consegui rir, rir muito, para aquela pequenita que já saiu a chorar em força, e que me olhava de olho bem aberto – foi nesse instante (talvez tenha sido logo em Abril, quando soube que ela existia) que me roubou o coração. 30 minutos a ser cosida (ai os pontos, caramba, os pontos, que ainda não me deixam sentar nem dormir, e que para serem tirados também nos deviam dar epidural!), pequeno raio de sol a ser examinado (2,800kg e 47,5cm), voltou para cima de mim para o ‘corpo a corpo’, e, depois de devidamente vestida pelo pai, lá seguimos para o recobro. Pensei que tinha de contar à minha mãe que me tinha portado muito bem – não chorei, não gritei, não disse asneiras, colaborei em tudo. Ela ia ficar orgulhosa. Sou tão mariquinhas que sempre pensei que ia fazer tudo isso, e ela ralhava comigo, “Tens de ajudar, de cada vez que gritas o bebé sobe, isso era uma vergonha” – e eu soube que ela nunca poderia ser a minha acompanhante no bloco, não a queria desapontar!
Até às 13:00, altura em que nos levaram para o quarto, esteve de olho aberto a olhar para mim e eu a tentar que ela mamasse. Não nos chateámos nesse instante, estávamos apenas a conhecer-nos, a apaixonar-nos. Só nos ‘chateámos’ mais tarde – depois das visitas, depois de um dia intenso, a rapariga continuava sem comer. O nome não poderia ter sido melhor escolhido, a minha (nossa!) Bela Adormecida repousava num sono profundo, e nem se lembrava de comer. Valeu-nos a paciência do pai, que pôde pernoitar connosco no hospital durante o tempo que lá estivemos (devia ser obrigatório em todos os hospitais, como é que se pode ficar sem o pai? Não sei!). Eu, pelo contrário, nem dormi. Fiquei ali, de olho muito aberto, a contemplar toda aquela perfeição. Como era possível eu (nós!) ter feito tudo aquilo. E pensava em como a amava já tanto, e pensava em todos os medos que o amor traz com ele. De cada vez que fechava os olhos vinham-me à ideia coisas terríveis, e o sentimento de perda era tão grande que as lágrimas corriam cara abaixo, mesmo estando ela ali ao meu lado, na minha cama, de mão dada comigo. Se na primeira noite em que lá estivemos a moça esteve de dieta, na segunda mamou das 00:00 às 04:00, e não parecia satisfeita. O cansaço já era tanto que adormecia ela, depois adormecia eu, depois acordava em pânico com medo dela estar a sufocar, e íamos alternando até que resolvemos chamar os enfermeiros. Foram sempre incansáveis connosco, chegaram a estar lá uma hora, cada um deles, a ensinar-nos truques, a estimulá-la, a lutar. Nunca falaram em biberão, em desistir, em suplementos. E, até ver, conseguimos. Continua Bela Adormecida, continua a precisar que a acordemos de 5 em 5 minutos, continua a precisar que o despertador toque antes da hora da mama para que a comecemos a acordar, ou a precisar de trocar de fralda antes de cada mamada para despertar, mas, passados 9 dias, já tinha recuperado o peso perdido e ganho mais 50 gr. E isso deixou-me (nos!) feliz, pois claro. A felicidade agora depende quase por completo dela. Quando mama na língua, quando faz aqueles meios sorrisos, quando faz muita força com a cabeça, quando agarra um dedo, quando faz uma careta, quando suja a fralda, quando faz uma boa pega, quando nos olha de olho bem aberto, quando dorme profundamente, eu (nós!) sou mesmo feliz. Para a felicidade se instalar cá em casa precisa apenas de, por exemplo, ver um cocó da Bela Adormecida – mesmo que sejam só 4 da manhã. E mesmo as coisas dolorosas são perfeitas – dar de mamar não é fácil (mamilos gretados, subida do leite, …), mas quando ela está a fazê-lo bem, a agarrar bem, a puxar bem, e fica ali a mamar de olhos abertos em direcção aos meus, não consigo deixar de chorar de felicidade. Às vezes nem é preciso tanto – basta tê-la no meu colo, mesmo de olhos fechados, só a sentir a respiração dela, as bochechas, a ver aquele queixo perfeito, para que as lágrimas caiam e o meu coração fique apertadinho.
Faz no domingo 15 dias que, como disse um amigo meu, “saí de casa de mãos vazias e regressei com o mundo nas mãos”. E podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a contar. Tenho feito por registar todos os pontos altos dos nossos dias para que nada fique esquecido, mas todos os meus dias com ela são agora pontos altos. Tenho feito por aproveitar cada pequeno momento com ela – desde dia 24 que não há séries, televisão, livros, ..., o meu canal agora só dá Pequena A.. Na maior parte das vezes nem sei do meu telemóvel, e ainda hoje o Z. foi dar com ele numa gaveta da casa de banho. Sempre gostei de miúdos, mas não tenho um jeito natural para os cativar ou cuidar deles, como tem a minha irmã, por exemplo. Se começassem a chorar no meu colo provavelmente ia passá-los para o da mãe. Mas agora a mãe sou eu, sou eu que devo ter nas minhas mãos, no meu colo, na minha vida, o controlo remoto das emoções, da vida da minha pequena. E assusta-me que não esteja à altura. Apesar dos cursos, dos conselhos, só quando ela entrou em casa connosco é que começou a verdadeira aprendizagem - até de uma coisa tão simples quanto mudar uma fralda - a última tinha sido à minha afilhada, que já faz 16 anos no dia 1 ("- L., ela tem cocó. - Deixa ver. - Já que estás aqui não queres mudar?" - E assim se safa o pai, apesar de já ter tido de saltar para o lado, mesmo à filme, para escapar a um que veio de esguicho durante uma troca). Todas aquelas coisas que passamos a vida a ouvir, “o mundo muda”, “não há nada igual”, “é um amor sem fim”, “quando fores mãe logo vês”, fazem agora sentido. Conhecê-la foi, ao mesmo tempo, conhecer o maior amor do mundo e o maior medo também. A maior alegria e o maior aperto. E eu podia continuar aqui a descrever tudo isto por mais não sei quantas páginas, que muito haveria a dizer. Mas já faz uns 5 minutos que não a aperto e não lhe dou um beijo na bochecha vermelhinha, ou no queixo mais que perfeito e isso, em tempo de mãe, é uma eternidade.
Pois é, parece que sim. O meu mundo mudou. Não há nada igual. É um amor sem fim. Sou mãe.


Curiosidades sobre este dia:
- A madrinha e o namorado comemoraram 7 anos de namoro! É uma vida, tendo em conta que começaram aos 16 anos!
- Esteve um dia de sol lindo. Estava frio, mas um sol forte que nos conseguia aquecer por dentro. E foi assim também nos dias seguintes.
- Na noite de sábado, a avó S. escreveu no facebook que queria ser avó no dia seguinte, só por ser aquele em que íamos ficar todos mais descansados. E foi mesmo. Nunca duvides do poder das palavras de uma mãe!
Terça-feira, 19 de Novembro de 2013

.Da gravidez

Quando tive a consulta das 28 semanas não ia preparada para o desfecho final. Sim, duas semanas antes, na Curia, tinha sentido um embate violento na barriga, quase um acidente de carro localizado, e pensei que a moça tinha dado a volta. Quanto à barriga dura, que toda a gente comentava quando lhe tocava, pensei que era normal. As dores? Não fazem parte da gravidez? Quando me deitei para fazer a ecografia, antes mesmo de me tocar, o médico disse que eu estava a ter uma contração. Acha? Não. “Olhe para o formato, agora toque-lhe, e dói?” – estava quadrada, dura que nem uma pedra e doía, sim, como se um túnel estivesse a ser aberto em baixo. E a moça já encaixada para sair, apressadinha, mesmo sendo filha de dois alentejanos. Esperámos pela consulta uma hora e, nesse período, voltei a sentir aquilo três vezes. Ao Z. bastava olhar para a barriga, com um formato estranho, para perceber isso mesmo. Falávamos disto com o nosso médico quando ele pergunta: “então e o trabalho, está mais calmo?”. Quando, na última consulta, acusou a incisura e lhe expliquei que não podia ficar de baixa porque, na altura, estava sozinha e no meio de um processo chato (nesse dia trabalhei sempre no hospital de pc ligado e voltei ao trabalho até às 22:00), ele não gostou muito da minha resposta, achou que eu estava com as prioridades trocadas, e fez-me prometer que ia mudar o comportamento. Pensamos sempre que somos fortes, que conseguimos fazer tudo, que, mesmo estando grávidas, a vida vai continuar igual e podemos continuar a fazer as nossas coisas sempre da mesma forma. E ali estava a prova que não. “Está de férias e assim? Não queremos bebés prematuros. Vai ficar em casa, e desta vez não há desculpas”. E foi assim que saí dali, de lágrimas nos olhos, por uma série de coisas. Faltar ao trabalho – há dias bons e maus, como em todo o lado, mas gosto de trabalhar e do que faço. Vou ter um bebé, sim, mas esta também é uma parte importante da minha vida, e imaginava-me a trabalhar até ao final da gravidez. Baixa de risco. Palavras estranhas – talvez por conhecer gente que usa baixas, e de risco, sem que façam realmente falta, custou-me. Mas havia a pior parte – eu não estava a fingir, e havia a probabilidade real da minha filha nascer prematura por minha causa. Na médica de família o raspanete foi ainda pior. Tinha de ficar de cama, esforços zero, e mais um sem fim de recomendações. Autorização para sair de casa apenas para consultas e curso de preparação para o parto. E assim estou, desde o início de outubro. Todos os dias, semanas, são uma vitória. Sempre que recebo o email, ao domingo, a dar conta de uma nova semana e do que o meu pequeno raio de sol anda a fazer, é uma felicidade sem explicação. Mas não tem sido fácil. Sempre que saio de casa para fazer qualquer coisa, raras vezes, fico mesmo aflita e percebo que, mantendo a vida que levava, ela já estaria cá fora. Mas são muitos dias em casa. Cansei-me de séries, de livros, de dar um jeitinho às coisas, de arrumar a mala dela, sei lá. Os pontos altos do dia passam por senti-la mexer, comer e esperar que o Z. chegue a casa. O curso de preparação para o parto foi uma boa surpresa, e adorei fazê-lo, conhecer gente, sair de casa, mas durou pouco tempo. Tenho tido ajudas, tantas. A família. A minha mãe, pobrezita, tem vindo cá todas as semanas, às vezes mais do que uma vez por semana, trazer-me doses extras de mimo e de um sem fim de coisas, e ainda mais surpresas. Esta semana trouxe-me as avós e a afilhada, e fez-me chorar – já não as via há quase dois meses, tantos dias sem ir ao meu Alentejo. O pai, sempre preocupado e a arranjar-me coisas para me distrair. As avós, a mana, sempre a ligarem e a mandarem mensagens. A madrinha, sempre preocupada e a fazer-me companhia quando pode, e a ralhar quando me vê a abusar (ou não!). Os amigos. A T., a Ce., a In., a Car., a Ve., a Li., a Al., a prima Mi. – sempre com um bocadinho para mim, quer seja no facebook, no telemóvel ou numa visita. E uma especial, a A. e o meu sobrinho pequenito, que amanhã já faz três meses. São mais de 10 anos de amizade, 6 de trabalho diário conjunto, e agora até somos vizinhas. Ajudamo-nos no que podemos e uma vez por semana temos conseguido estar juntas, o que é um balão de oxigénio para os dias seguintes – aprendo a vê-la com o pequenito, vemos roupas, tralhas de bebés, conversamos sobre tudo e comemos, o ponto alto! E o meu Z., que tem sido um pai e um namorado incansável. Até a tábua de passar a ferro pendurou num sítio bem alto para que eu não a consiga tirar. E deixa-me fazer o dia da pizza e comer gelado de chocolate belga sem ralhar muito (não é o mais saudável, mas nunca senti tanta necessidade de açúcar e isto está controlado, engordei 8,5kg desde o início). Depois há os dias mais difíceis, em que as dores se tornam insuportáveis e me fazem esquecer o tédio que é estar tantos dias sozinha em casa. Como no sábado, dia 9, quando pensámos que a hora tinha chegado. Não conseguia estar sentada, não conseguia andar, perdia a força, já contávamos as dores mais fortes no relógio, rebolava com a bola de pilates, fazia as posições de relaxamento e a respiração como aprendemos no curso. Foram 4 noites assim – quando me deitava as coisas sossegavam um bocadinho, mas ao anoitecer era terrível. E foi assim que me vi obrigada a seguir o conselho da médica de família – cama. E a moça sossegou. Já estávamos a chegar tão longe, não podíamos ficar por ali. Estar muito tempo em casa faz-nos procurar e ler coisas que muitas vezes nem devíamos saber, e eu não queria (quero) que ela comece a vida numa incubadora, nem tudo o que isso implica. A minha mãe diz que agora sabemos de mais, e talvez seja verdade – ela tem sempre razão. Ontem foi dia de consulta – estava na sala de espera, sentada, quando comecei a sentir contrações mais fortes, com mais dores, fiquei sem força nas pernas, não conseguia andar, e comecei a ver tudo andar para trás outra vez. Ali fiquei de pé, amparada pelo sofá e pelo Z., até me chamarem, e na consulta continuei de pé. Parece que o colo do útero ainda está fechado, mas a rapariga já desceu bastante. Saí dali para fazer mais uma análise importante para o parto e o meu primeiro CTG, que acusou várias contrações altas. Antes de sair de lá levei uma injeção para a maturação pulmonar da moça, e hoje volto lá para levar outra, caso ela decida nascer esta semana, e as ordens são para estar de cama. Ontem jantei deitada, sempre com dores, sempre com contrações, a fechar bem as pernas para que ela não ‘caia’ antes da hora, e a perguntar-me o que mais posso fazer para que ela se aguente só mais esta semana. A noite foi terrível - nem consegui dormir, tantas eram as preocupações. Se aguentar até domingo, deixa de ser uma bebé prematura, e isso é tudo o que eu mais quero. Não tem sido fácil, nem como imaginei. Ser mãe é mesmo uma preocupação desde o instante em que sabemos que o vamos ser. Se conseguimos chegar às 12 semanas, quando começará a mexer, depois disso vem o ‘porque será que ainda não mexeu hoje’, se tem tudo no sítio, se não tem doenças, se não vem antes da hora, sempre a desejar que chegue a próxima ecografia/consulta, … . Mas, como diz o meu grande amigo Car., “se fosse fácil não era para nós”. Ontem, depois do CTG, enquanto esperava que me trouxessem a injeção, ali ao lado do bloco de partos, passaram com uma maca com uma mãe e um recém-nascido. Ela tinha um ar muito cansado, estava branca, ele ia nos braços dela, muito agasalhado, de gorro, ainda muito inchado e com manchinhas. Não pude deixar de olhar, e ela fez-me o maior sorriso do mundo e piscou-me o olho. Não é que eu tivesse dúvidas, mas naquele instante tornou-se tudo muito claro. Qual sofrimento, qual cansaço – quando chegar a hora (só mais uma semanita, por favor!), quando a tiver nos meus braços, nada mais vai importar, e tudo, mesmo tudo, vai ter valido a pena.

 

Estou:
Terça-feira, 27 de Agosto de 2013

.Da vida

Era o primeira dia de festa, daquela que se faz esperar um ano inteiro. O dia tinha sido de correria – sozinha no serviço, dia de anos da mana, o jantar dela à minha espera num sítio e o meu colega apresentador de festa à minha espera noutro. Cheguei atrasada aos dois sítios, como não gosto, como tenho feito tantas vezes nestes últimos tempos, nunca por minha culpa mas da vida, que é mesmo assim. Jantei com ela e depois subi ao palco, já fora de horas. Enquanto esperava que terminasse o primeiro concerto, perto do Z., dos meus amigos, da minha família, começou a dar o “Forever Young”. É uma música que sempre mexeu comigo, que sempre vivi preocupada com a vida, com a morte, com a perda de todos aqueles que amo. Naquele dia mexeu mais ainda. Olhei para todos eles. Pensei também em todos os que não estavam ali, mas costumam estar. Olhei para tantos que não conhecia. Baixei os olhos e olhei para minha barriga. E estava feliz, pois estava, mas não pude deixar de deitar uma lagrimita – a vida muda mesmo, passa e arrasta-nos com ela. Depois daquele bocadinho de catarse interior, foi tempo de rumar ao Alentejo do Z. – chegámos às 04:00 e ficámos até às 19:00, só para estarmos um bocadinho com o melhor amigo dele, que fazia anos nesse dia. Seguimos outra vez para o meu – são só 02:30 de distância entre os nossos dois Alentejos, e por lá ficámos até domingo à noite – na segunda era dia de trabalho. E que dia – só terminou às 22:00. Antes, houve consulta, ecografia, e raspanete. Parece que o stresse e o cansaço dos últimos dias resultaram numa ‘incisura protodiastólica nas uterinas’. Na prática, faz com que passe menos sangue pelo cordão umbilical e pode provocar um parto prematuro, hipertensão e uma miúda magra de mais (que, até ao momento, não está). O meu médico, sempre tão calmo e ponderado, até levantou a voz para me dizer que tinha apenas até à próxima consulta para baixar o ritmo, ou era mandada para casa sem possibilidade de reclamar. E obrigou o pai a prometer que me arrastava até ali se eu me portasse mal antes dessa data – o pobrezito até regressou comigo ao trabalho, ser pai é difícil. E eu, pela primeira vez, tive medo a sério. Pela primeira vez, percebi que aquilo que faço tem mesmo implicações em mim e, pior do que isso, na minha pequena alvorada. Mas como é que se abranda o ritmo? Foram fins de semana e semanas de loucura. Em casa, no trabalho, com as pessoas à minha volta. Semanas com dias de trabalho de 14 horas e chegar a casa depois disso para lavar paredes e arrastar móveis, e ainda fazer viagens como se não houvesse amanhã. Dias em que cheguei ao trabalho lavada em lágrimas de tantas preocupações e que chegava a casa sem conseguir descansar. Todas estas coisas terão de ser, até dezembro, exceções raras e não a regra. Porque a vida muda mesmo, e o que acontece aos outros pode acontecer-nos a nós, e o que fazemos com a vida pode ter resultados menos bons. E eu, e todos os meus, podemos não ser para sempre jovens nem viver para sempre. Mas vem aí alguém que quero que acredite no contrário durante muito tempo… O meu pequeno raio de sol. E por ela, por esta nossa pequenina família, vale a pena mudar de vida.

 

No próximo sábado rumo à Curia para uma semana sem fazer rigorosamente nada para além de descansar e aproveitar as minhas pessoas. É tão bom que haja coisas que nunca mudam... E como era bom que esta (a avó, os primos, a mana, ...) pudesse durar para sempre.

Quinta-feira, 20 de Junho de 2013

.Das reclamações

Nunca fui uma rapariga de reclamações, em toda a minha vida devo ter feito duas – e até contei a história por aqui. Tantas vezes guardo para mim aquilo que penso que se tornou um hábito, uma forma de ser. Outras vezes resolvo falar e corre mal, como ontem (que raio de semana esta!), mas hoje tenho uma história com um final semi-feliz. Quando soube que estava grávida lembrei-me que ainda não me tinha mudado para o centro de saúde do sítio onde moro agora. Estava registada na terrinha e por lá continuei, apesar de ter mudado todas as outras coisas. Mandei email para as duas unidades de saúde locais e recebi um telefonema de volta, das duas, que lamentavam muito mas não aceitavam inscrições há quatro anos, nem naquela modalidade de ficar sem médico associado. Passei-me, nem queria acreditar. E as hormonas aos saltos, e o sangue que aumenta de volume a ferver, e saiu uma reclamação. Ministério da Saúde, Unidades de Saúde, Direção Geral de Saúde, não sei quê de Saúde de Lisboa e de Sintra. Passados uns dias recebi um telefonema de uma das Unidades. Que não sabiam bem o que se passava, mas que tinham ordem do Diretor para me ligar e pedir os meus documentos para procederem à inscrição. Fui lá a primeira vez – e o pai da criança, não se quer registar? Quer pois, voltei lá uma segunda vez com os documentos dos dois – vê aquela pilha? Estão todos à sua frente, vai ter de esperar. E o curso de gravidez? Gostava de frequentar, aqui é gratuito – pois menina, nasce a criança e você ainda não está inscrita, vá onde está registada. Ai é no Alentejo? A 100km? Pois, não sei, vá ver nas terras vizinhas. Passei-me de vez. Não queria passar à frente de ninguém, queria que todas aquelas pessoas estivessem inscritas. Isto faz sentido? Vivemos num país, de acordo com as leis e regras que nos impõem, pagamos impostos, todos os impostos, e não temos direito a aceder a cuidados de saúde / médicos no local de residência? Felizmente, tenho possibilidade de pagar um seguro de saúde e estava já a ser acompanhada num hospital privado, e quem não pode fazê-lo? Quantas daquelas pessoas não o podem fazer? Saiu nova reclamação, um bocadinho mais agressiva sem ser mal-educada, que também já respondi a algumas no trabalho e sei como é mau. E fui fazendo a minha vida. Hoje recebi um telefonema de uma das Unidades de Saúde. Que não só estou inscrita como até tenho médica de família. Queriam confirmar se deviam mudar todo o meu agregado familiar comigo – os meus pais e a minha irmã. De repente, surgiram quatro vagas, com médico e tudo, e passei à frente de uma longa lista de gente. E devia estar feliz, pois devia, mas não deixo de estar preocupada com os que não pensaram nisso ou não têm possibilidade de se fazer ouvir. Eu não sou ninguém neste país, nesta terra, nem no meu prédio (apesar de ser gestora de condomínio nem sequer posso mandar pintar o prédio porque não há dinheiro), e vá lá na minha casa ter um poder de voto de 50%. Mas reclamei e deu resultado. Vamos começar todos a fazer o mesmo? 

L. às 15:48
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Quarta-feira, 12 de Junho de 2013

.Das viagens

Fizemos uma das viagens da nossa vida a Itália no mês que passou. Conhecemos Roma, Florença e Veneza em sete dias, numa correria boa. Uma semana antes descobrimos que estava a começar a grande viagem da nossa vida, o que nos obrigou a abrandar ligeiramente o passo e a provar a boa cozinha italiana a horas certas. Contamos agora treze semanas e alguns dias de enjoos, medos, refeições fora, mas de uma felicidade sem comparação. Na semana passada fomos formalmente apresentados, eu e o Z. a seis centímetros de gente. Esperneou e esbracejou durante toda a ecografia, e fez-me cair umas lágrimas valentes. Isto de ser mãe e pai é uma preocupação desde o primeiro dia em que se sabe, mas fez-nos descobrir já um amor maior do que todos os que conhecíamos. Começou a grande viagem.

 

 

 

 

 

Quarta-feira, 3 de Abril de 2013

.Das regras

Em tempos ensinaram-me uma coisa a que nem sempre recorri, mas que não dispenso hoje em dia. É muito simples. Quando não temos a certeza se uma determinada ação é correta ou não, devemos imaginar como nos sentiríamos se fosse feita/dita a nós. Não nos causa estranheza, dor, mal-estar? Força, então. Caso contrário, ainda vamos a tempo de mudá-la para não causar estragos. Usássemos todos esta regra tão pequenina e simples e a vida seria muito mais fácil.

Lá fora: "Mas se não aconteceu, estás triste porquê?"
Segunda-feira, 1 de Abril de 2013

.O poder da mente

Não me tenho por ser uma pessoa convencida, mas uma que acredita em si própria (às vezes). Quando tenho dúvidas sobre mim, sobre aquilo que consigo fazer ou suportar, gosto de me fazer testes. Como quando fiz a pós-graduação – ainda seria capaz de estudar, de me concentrar, de me integrar, de ter ideias? As notas que tive, os amigos que fiz, os trabalhos em que colaborei mostraram-me que sim. Muitas vezes, depois destes testes, acomodo-me e é preciso esperar para que qualquer coisa volte a despertar-me. Não adianta pressionarem-me, tenho de ser eu a ganhar vontade de fazer coisas. Outra das coisas que costumo fazer é desligar o telemóvel ou meter no modo silencioso. Aguento sem lhe tocar um dia inteiro? Escrito assim, quase parece parvoíce, mas é verdade. Mais do que um teste, é uma forma de não sofrer – coração que não vê, coração que não sente. Às vezes tem o efeito contrário - fico ainda mais triste quando volto a pegar nele. Estes são só exemplos de como me educo, me obrigo a pensar, a agir. Sempre me tive por uma pessoa controlada, capaz de gerir a situação e, tantas vezes, os sentimentos. Acredito que quase tudo, em nós, pode pelo menos ser orientado de acordo com o que queremos. Se esta pessoa não me faz bem, vou passar a ignorá-la; não me faz bem gostar desta pessoa, vou ajudar-me a deixar de gostar, e por aí adiante. E foi preciso chegar a esta idade para perceber que não é bem assim. Até porque decidir que não queremos determinadas coisas na nossa vida quando temos de as enfrentar todos os dias é uma tarefa difícil. Deixar de pensar em coisas que queremos muito para que elas possam acontecer não é uma tarefa mais fácil. Como é que não se pensa? Ainda mais numa coisa que queremos? Como é que nos esquecemos quando o mundo à nossa volta não deixa? E como é que se explica que um determinado fenómeno físico seja afinal justificado apenas com o poder da mente? Custa-me acreditar, custa-me ficar apenas com esta justificação, não aceito. Prefiro que procurem uma vez mais a razão, que ma digam sem medos, para que a possa enfrentar de uma vez, em vez de me dizerem que é a apenas a minha mente, ou o poder que ela tem, a pregar-me partidas, sustos, coisas. A minha mãe e a minha mana definem-me como uma pessoa que pensa de mais. Tantos anos de racionalização não deram bom resultado. Parece que a minha mente resolveu vingar-se. Vamos trabalhar juntas com um mesmo objetivo? Talvez assim corra melhor.

 

Lá fora: "Não vou vê-la."
Quinta-feira, 28 de Março de 2013

.A esperança

Ontem, quando cheguei a casa depois de mais um dia de trabalho, já com a cabeça na minha manta, no meu sofá, na minha televisão e numa grande sesta que me impedisse de pensar, fui abordada por duas senhoras que deixei entrar no prédio. "Minha menina, pedimos desculpa, podemos dar-lhe esperança para o futuro?", disseram quando me viram a subir dois degraus de cada vez. E eu recusei. E talvez aqui esteja a explicação para esta minha falta de esperança. Se nem quando ma oferecem eu sou capaz de aceitar...

 

 

 

Lá fora: "Tu continuas à espera / Do melhor que já não vem / E a esperança foi encontrada / Antes de ti por alguém"

L. às 09:34
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