Pouco antes no Natal chegou a notícia – ia ficar sem emprego a 17 de fevereiro. Estava em casa, a pequenota doente, quando uma amiga (que é amiga da vida, das angústias do trabalho e um ‘pai’ para a minha família, como lhe chamamos meio a sério, meio a brincar) me ligou. Primeiro ouvi as lágrimas dela, depois de desligar deixei cair as minhas. Não há empregos para a vida, verdade, acomodei-me, verdade, mas não deixou de ser uma surpresa, um choque, um repensar na vida toda. Um sentimento de culpa, de vergonha, até. No trabalho iam-nos dizendo que não, precisavam de nós, era muita gente, iam pensar numa solução. E pensaram. Poucas semanas depois do primeiro choque, veio o segundo. Afinal íamos ficar. Choque porque, ainda que as coisas não estejam bem, já tinha feito planos. Voltar a estudar, num sítio com acesso direto a uma profissão estável (sou uma cocó com a segurança), aproveitar as compensações para a propina e para o ano que se seguiria, aproveitar os primeiros tempos em casa para estudar para a prova de acesso e para me dedicar a ser mãe sem mais preocupações. De repente, tudo trocado outra vez. Fiquei. Outros colegas preferiram aproveitar a hipótese para sair. Primeiro achámos que eram doidos, depois percebemos que talvez tenham sido eles os certos, os corajosos, os valentes. E nós do outro lado, os acomodados. Os da culpa – temos uma família para alimentar, uma casa para pagar. Umas horas depois de assinar o papel para continuar aqui, chamaram-me e veio o terceiro choque. Ia mudar novamente de departamento, pela terceira vez desde que regressei da licença. E nesse dia chorei outra vez. Dois meses depois de chorar porque ia ficar sem emprego, chorei porque tinha emprego. Gente complicada. Neste novo sitio, e porque entretanto surgiram mais algumas coisas para fazer aqui (não posso escrever sobre isto, mas implica fazer o trabalho de outras pessoas), há hora de entrada e nunca de saída. Continuo a ter direito ao horário reduzido por continuar a dar mama, mas reduzido é palavra que não tem encaixado nele. E a pequenota acaba por ficar no colégio, muitas vezes, mais duas horas do que o normal. Esta semana tem chorado sempre para ficar. Depois fica bem durante todo o dia, mas agarra-me, beija-me, e quando percebe que me fui fica num choro sem fim, com gritos que ouço no elevador, na outra ponta do berçário. Diz-me a educadora ontem: “A única explicação que encontro para isto é ela passar mais tempo aqui agora, por a mamã chegar mais tarde”. Deve ter visto a minha cara, porque acrescentou logo: “Mas a mamã nem chega assim tão tarde, há bebés que passam aqui muitas mais horas”. Saí dali de lágrimas nos olhos e com um aperto no peito [culpa]. Ontem terminei o meu trabalho já depois da hora de saída. E era altura de começar a dedicar-me ao outro trabalho, o dos outros, que não o fizeram e que não tiveram consequências, porque é mais fácil a quem manda chamar outras pessoas para o fazer. Tenho um número diário para isso, 35. Ia no terceiro quando olhei para o relógio e voltei a sentir o aperto no peito. Culpa, chama-se culpa. As mães vivem com tantas culpas. Contra os princípios que sempre defendi e usei no meu trabalho nos últimos 7 anos, desliguei o computador e agarrei nas minhas coisas. Saí dali e fui buscar a minha filha. Cheguei a casa com sol, arrumei os armários da cozinha com ela para poder ter à mão só aquilo que não a pode magoar, e brincámos as duas antes de dormirmos uma sesta juntas. Porque vivemos sempre com culpas. Tantas. Mas prefiro viver com a do incumprimento de um despacho (depois de tantas anos a cumprir tudo e mais alguma coisa) do que com a culpa de não ter estado lá para ela, para a minha filha.
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