Domingo, 2 de Outubro de 2011

.Gestos (de amor)

Assim que começaram a aparecer melancias nos supermercados, mal tinha começado o Verão, fiquei cheia de vontade de comer uma bem fresquinha. Estávamos a fazer as compras perto de casa e partilhei a minha vontade com o Z., enquanto olhava para as metades vermelhinhas já expostas. E ele, forreta de primeira, sai-se com esta: “não vamos levar isso, já viste o preço?, nem pensar nisso, depois os meus pais têm lá na horta e comes à vontade”. Claro que não lhe dei ouvidos, tinha tanta, mas tanta vontade e saudades de uma boa melancia que lá consegui juntar uma metade ao cesto das compras. Chegámos a casa e, antes de fazer o jantar, resolvi parti-la toda aos bocadinhos numa tacinha e pô-la na sala. Quando voltei, já com o jantar pronto, não havia nem um bocadinho para amostra. Então, o que é aconteceu? Ainda me passou pela cabeça que ele ma tivesse escondido, mas não, sem se aperceber tinha comido mesmo tudo – nem cheguei a provar. Mas, a verdade, é que o rapaz tinha razão: não me faltaram melancias durante todo o Verão. Estamos a entrar em Outubro e a horta dos pais ainda a dar. Temos trazido quilos e quilos delas, que transformamos em sumo na Bimby. Na semana passada não trouxemos, porque ainda tínhamos duas em casa, mas, azar-azarinho, por estarem ali há algum tempo, já não estavam muito boas e tivemos de fazer aquilo que menos gostamos, deitar tudo fora. E lá fiquei eu com vontade de comer melancia outra vez. Ontem voltámos ao supermercado e quando tentávamos decidir que fruta levar para casa partilhei a minha vontade com ele, que deu uma gargalhada do tipo nem-penses-nisso-só-podes-estar-a-brincar. Achámos melhor dar uma voltinha para comprar os outros itens da lista enquanto decidíamos. Tínhamos voltado àquela secção quando o telefone tocou, era a mãe. Sei que quando me liga fora de horas nunca tem boas notícias e confirmou-se, a avó Mariana tinha falecido há poucas horas. Fiquei ali, no meio da fruta, a encaixar o golpe de realidade, a conter as lágrimas, e o Z. só me disse: “Se te faz feliz, levamos melancia”, e passou-me uma metade vermelhinha para as mãos. Naquele momento, foi mesmo o melhor que eu podia ouvir e foi a única coisa que me fez sorrir. Esqueceu os argumentos dele, engoliu as palavras tantas vezes ocas que se dizem nestas alturas, e só se preocupou em ver-me feliz. Percebi, mais uma vez, que o valor dos gestos (de amor) não está no tamanho, na forma, nem no sítio. É só preciso amor. E pode bem ter a forma de uma melancia. [Obrigada]

L. às 12:05
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5 comentários:
De Anita Vaz a 31 de Outubro de 2011 às 19:44
Olá,
Já não vinha aqui há algum tempo e hoje andei a ler alguns post do mais antigo ao mais recente. Foi neste que desatei mesmo a chorar...
No post mais recente, que por ser pequenino li primeiro, dizes que não tens com quem partilhar. Mas todas estas histórias, as tuas, da tua familia e amigos, das pessoas que se cruzam contigo, como os dois casais de velhotes, estão aqui, partilhadas conosco, com pessoas que não conheces, mas a quem não deixas de "confiar" através da escrita. São histórias entrecruzados de uma maneira incrível nesta escrita que me faz voltar sempre para ler. E a propósito de leituras, acabei hoje de ler Contos de Eva Luna de Isabel Allende, cuja referência vi aqui pela primeira vez. Adorei o livro do princípio ao fim! E não queria deixar de agradecer a(s) partilha(s). Bem-hajas!
De L. a 3 de Maio de 2012 às 14:22
Não sei porquê, nunca cheguei a responder a este comentário. Um grande pedido de desculpa. Fico sempre emocionada quando alguém reconhece em mim alguma coisa que faz querer voltar, algum discernimento para aconselhar numa coisa que a mim me parece tão importante, a leitura. Obrigada pelo testemunho. Tocou-me. *

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